Bolsonaro usa retórica de ameaça ao falar sobre EUA

Após meses tentando manter a linha moderada, o presidente Jair Bolsonaro assumiu nesta terça-feira, 10, sua versão mais agressiva e aposentou o estilo "paz e amor". Sob pressão, Bolsonaro partiu para o ataque em várias direções. Ao se referir à pandemia de covid-19, o presidente disse que o Brasil precisa deixar de ser "um país de maricas". O tom de confronto continuou e, diante da ameaça do presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, de aplicar sanções econômicas ao Brasil, caso não haja atuação para combater o desmatamento e as queimadas na Amazônia, Bolsonaro falou na necessidade de "pólvora" para resolução de conflitos.

A sequência de declarações explosivas ocorreu após o presidente ter comemorado a interrupção dos testes da vacina chinesa contra o coronavírus, tornando-se alvo de críticas. "Mais uma que o Jair Bolsonaro ganha", escreveu ele no Facebook em mais um capítulo da disputa com o governador João Doria (PSDB). A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) disse que adotou a medida após a morte de um voluntário.

Em cerimônia no Planalto, Bolsonaro adotou o enfrentamento como estratégia para reagir às críticas que vem sofrendo. Irritado com a pressão internacional pela preservação da Amazônia, disse que uma solução apenas diplomática pode não ser possível. "Quando acaba a saliva tem que ter pólvora. Não precisa nem usar a pólvora, mas tem que saber que tem", afirmou. "Assistimos há pouco um grande candidato à chefia de Estado dizendo que, se eu não apagar o fogo da Amazônia, ele vai levantar barreiras comerciais contra o Brasil. E como é que podemos fazer frente a tudo isso? Apenas pela diplomacia não dá", emendou ele, sem citar o nome de Biden.

Biden mencionou a possibilidade de o Brasil sofrer revés econômico por causa da política ambiental ainda durante a campanha, em debate com o presidente dos EUA, Donald Trump, aliado de Bolsonaro. O democrata venceu a eleição no sábado e recebeu cumprimentos de diversos chefes de Estado, mas ainda não teve a vitória reconhecida pelo brasileiro.

Na cerimônia de lançamento da retomada do turismo, Bolsonaro voltou a falar que a pandemia da covid-19 está "superdimensionada". No Brasil, mais de 5,6 milhões de pessoas foram contaminadas pelo novo coronavírus, e mais de 162 mil pessoas já morreram.

"Vocês foram na lona nessa pandemia, que foi superdimensionada", disse ele a empresários do setor de turismo. "Tudo agora é pandemia, tem que acabar com esse negócio, pô. Lamento os mortos, lamento. Todos nós vamos morrer um dia. Não adianta fugir disso, fugir da realidade. Tem que deixar de ser um País de maricas", afirmou. Mais adiante, elevou o tom contra os jornalistas. "Olha que prato cheio para a imprensa. Para a urubuzada que está ali atrás", disse, apontando para o local reservado a jornalistas.

O discurso inflamado do presidente ocorreu quatro dias depois de o Ministério Público do Rio pedir a cassação do mandato do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), por envolvimento no caso da rachadinha.

Em um pronunciamento de quase 20 minutos, no qual retomou seu estilo "bateu, levou", o presidente disse que sua vida é "uma desgraça". Afirmou, ainda, que não tem "tesão" pela cadeira de presidente. "A minha vida aqui é uma desgraça, é problema o tempo todo. Não tenho paz para nada. Não posso mais tomar um caldo de cana na rua, comer um pastel, assim quando saio vem essa imprensa perturbar, pegar uma piada que eu faço com o Guaraná Jesus para tentar me esculhambar", disse.

<b>Marica</b>

Depois, ao criticar o movimento político que tenta lançar uma candidatura de centro em 2022, voltou a citar a palavra "marica." "Então, pessoal, temos que buscar mudanças, não teremos outra oportunidade. Vem a turminha falar queremos um centro, nem ódio pra lá nem ódio pra cá. Ódio é coisa de marica, pô! Meu tempo de bullying na escola era porrada."

As articulações para uma aliança de centro com o objetivo de enfrentar Bolsonaro em 2022 têm se intensificado com conversas entre o apresentador Luciano Huck, o ex-ministro Sérgio Moro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ). "Entre pólvora, maricas e o risco à hiperinflação, temos mais de 160 mil mortos no País, uma economia frágil e um estado às escuras", escreveu Maia no Twitter.

<b>Não tenho falado com Mourão</b>

O presidente Jair Bolsonaro afirmou que não tem falado com o vice Hamilton Mourão sobre as eleições nos Estados Unidos nem sobre qualquer outro assunto. A declaração, dada anteontem, desautoriza o vice, para quem o presidente está aguardando o fim da disputa judicial sobre a contagem dos votos nos EUA para cumprimentar o vencedor, Joe Biden.

"O que ele (Mourão) falou sobre os Estados Unidos é a opinião dele. Eu nunca conversei com o Mourão sobre assuntos dos Estados Unidos, como não tenho falado sobre qualquer outro assunto com ele", disse Bolsonaro à emissora de <i>TV CNN</i>, horas após o vice-presidente ter se manifestado sobre a disputa pela Casa Branca.

Segundo Mourão, Bolsonaro falaria "na hora certa" sobre o resultado das eleições americanas. "Eu julgo que o presidente está aguardando terminar esse imbróglio aí de discussão se tem voto falso, se não tem voto falso, para dar o posicionamento dele", afirmou o vice.

Ainda de acordo com o general, o País não ficará isolado com a conduta de Bolsonaro. "É óbvio que o presidente, na hora certa, vai transmitir os cumprimentos do Brasil a quem for eleito. Não julgo que corra risco (de o Brasil ficar isolado). Vamos aguardar, né? É uma questão prudente aí. Acho que essa semana definem as questões que estão pendentes e aí a coisa volta ao normal e a gente se prepara para o novo relacionamento que tem de ser estabelecido", afirmou Mourão.

Ontem, ao ser questionado por repórteres sobre sua atual relação com Bolsonaro, Mourão evitou entrar em polêmicas. "Apenas a minha visão é que eu acho que ele (Bolsonaro) está aguardando (para se pronunciar sobre a eleição nos Estados Unidos). Só isso", afirmou o general.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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