“Um sucesso”. Teria sido com essas palavras que Ruy Cezar Miranda, ex-assessor do ex-prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes, explicou o resultado de uma visita do Comitê Rio-2016 na África e que resultou nos votos do continente para a candidatura carioca para sediar os Jogos Olímpicos. Ao explicar o “sucesso”, porém, o ex-assessor teria feito com as mãos um gesto de dinheiro.
O relato foi feito nesta quarta-feira pelo principal delator do suposto esquema de corrupção no Rio-2016, o ex-atleta olímpico Eric Maleson, que hoje vive nos Estados Unidos em um endereço mantido em sigilo. As informações foram prestadas ao juiz federal Marcelo Bretas, por meio de vídeo conferência.
Ruy Cezar tinha sido o secretário extraordinário para a Copa de 2014 e Olimpíada de 2016. Mas, ainda em 2009, se encontrou por acaso com Maleson, que na época ocupava o cargo de presidente da Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG). “Ruy Cezar tinha acabado de voltar da Nigéria, com Carlos Arthur Nuzman (ex-presidente do Comitê Olímpico do Brasil)”, disse Maleson ao Estado, relatando sua audiência com Bretas.
“Eu o conhecia por conta de uma tentativa que tivemos de trazer uma pista de gelo e que não se concretizou. Mas, naquele momento, eu o questionei como havia sido a viagem para a Nigéria e ele respondeu fazendo um gesto de dinheiro, insinuando que houve a compra de apoio”, contou. O relato foi apresentado na presença da defesa de Nuzman e do ex-governador Sérgio Cabral.
A viagem para Abidjan foi realizada pelo Rio-2016 com o objetivo de convencer os dirigentes africanos a apoiar o projeto carioca. Em investigações na França, porém, a suspeita é de que o ex-presidente da Associação Internacional de Federações de Atletismo (IAAF), o africano Lamine Diack, tenha sido o intermediário dos pagamentos.
Conforme o Estado havia antecipado, Eric Maleson, também denunciou a Bretas uma estratégia mais ampla entre Cabral e Nuzman. “O objetivo maior era o de garantir que esses eventos trouxessem visibilidade para Cabral e que o apoiassem em uma candidatura à presidência da República”, disse.
Segundo ele, Nuzman teria fechado um acordo com o ex-governador Sérgio Cabral para levar os megaeventos esportivos no País ao Rio de Janeiro como um trampolim para ajudar o político carioca em sua ambição política.
Segundo ele, quem o detalhou o pacto foi Edson Menezes, na época diretor financeiro do COB. “Num certo momento, ele me deu uma carona, quando as cidades brasileiras ainda competiam para ver quem seria a candidata brasileira para os Jogos de 2016”, disse. “Edson me perguntou em quem eu votaria e eu disse que seria pelo Rio, por ter o melhor projeto. Mas então ele me disse que esse não deveria ser o único motivo e me explicou o arranjo entre Nuzman e Cabral”, relatou.
Ao escolher o Rio como candidato brasileiro para sediar a Olimpíada, o COB ainda estaria violando uma posição que deveria adotar de neutralidade em relação às demais cidades brasileiras. “Por ter objetivos políticos, ganhar a sede dos Jogos precisava ocorrer a qualquer custo”, afirmou Maleson.
SENTENÇA – O delator ainda relatou a Bretas como ocorreu seu afastamento da CBDG. Segundo ele, o desembargador Ademir Pimentel aceitou uma denúncia de má gestão três semanas depois que ele foi o único cartola a votar contra Nuzman, nas eleições do COB.
“O mesmo desembargador, algumas semanas antes, tinha decidido por me manter no cargo. Meus advogados me disseram que tinham recebido a informação de que Nuzman pagou caro para se livrar de mim”, relatou Maleson. “Eles também me disseram que, se eu quisesse reverter a decisão, eu teria de gastar pelo menos R$ 370 mil, o que eu não aceitei”, disse.
Foi a partir da delação de Maleson que o esquema de votos do Rio-2016 foi revelado. Ex-presidente da Confederação Brasileira de Desportos no Gelo (CBDG), Maleson já indicou que seus alertas lançados até mesmo ao COI não tinham surtido qualquer impacto. Sem uma reação satisfatória, a testemunha teria optado por prestar depoimento de forma voluntária ao Ministério Público da França, antes mesmo de iniciar os Jogos de 2016 no Brasil.
Em colaboração com o Ministério Público brasileiro, os franceses lançaram uma ampla operação sobre a compra de votos pelo Rio de Janeiro e sobre o papel de Nuzman como intermediário. O cartola acabou sendo afastado pelo COI e o COB foi suspenso de toda relação com o movimento olímpico.
Tanto o Rio-2016 como o COB e Nuzman negam qualquer tipo de irregularidade no processo de seleção edacidade carioca como sede dos Jogos Olímpicos.