Desconfiança. Essa foi, e ainda é, a principal reação à nomeação de Gilmar Luís Rinaldi como coordenador geral de seleções da CBF. Na prática, o gaúcho de Erechim, de 55 anos, ex-goleiro de times como Internacional, São Paulo e Flamengo, será o maior responsável implantar as mudanças necessárias para recolocar a seleção na estrada, depois de ter sido jogada pirambeira abaixo na Copa do Mundo. Para muitos, Gilmar é uma aposta no escuro, arriscada.
A dúvida que se seguiu à surpresa do anúncio feito pelo presidente da CBF, José Maria Marin, é se Gilmar está apto para a função. Pela falta de experiência e por ter se dedicado nos últimos 14 anos a uma profissão polêmica e de certa forma malvista no futebol brasileiro atual: a de agente de jogadores. Ele deverá participar do processo de descoberta e convocação de atletas para todas as categorias e os críticos consideram que poderia “cair em tentação” e privilegiar interesses outros, que não os da seleção.
Gilmar, que renunciou à condição de agente Fifa – a licença lhe custou 100 mil francos suíços em 2000, o que hoje equivaleria a R$ 246 mil – no dia em que se tornou coordenador, já disse reiteradas vezes “que não tinha vergonha de ganhar dinheiro como empresário de futebol”. Garante, porém, que isso é passado.
O que não o livra da desconfiança. “Ele pode vir a ser um excelente coordenador, mas se fosse minha atribuição (designar o coordenador) eu não o escolheria”, disse o presidente da Federação Catarinense de Futebol, Delfim Peixoto, aliado de Marin e que será um dos vice-presidentes da CBF durante o mandato de Marco Polo del Nero – assume em abril do próximo ano.
Gilmar, nome que lhe foi dado pelo pai como homenagem a Gylmar dos Santos Neves, campeão mundial em 1958 seis meses e meio antes de ele nascer, sabe que continuará levando pancadas. E se diz preparado. “Não tenho nenhuma preocupação. Eu sei que já levantaram toda a minha vida, mas sempre fui muito claro, transparente”, disse no início da noite de sexta-feira, em rápida conversa por telefone. “Não posso me alongar, estou em reunião”, justificou-se.
HISTÓRICO – Para conviver com narizes torcidos e olhos arregalados sobre os seus atos, Gilmar diz contar com características que traz desde os tempos em que usava calças curtas em Erechim: determinação e organização. “Sempre procurei ser uma pessoa organizada. Foi assim no tempo de colégio e não mudou quando eu comecei a jogar no Inter, aos 14 anos”, disse certa vez.
A determinação e a teimosia típica dos capricornianos o ajudaram a ficar no Internacional, mesmo tendo de penar por quase um ano até ser integrado ao elenco da categoria infantil. A organização é outra marca forte de Gilmar Rinaldi, garante Careca, que foi seu companheiro no São Paulo. “Ele sempre foi organizado. Gosta das coisas certinhas. Cobrava todo mundo. Era chato”, recordou. “Mas chato no bom sentido”.
Careca exemplifica: Gilmar era o responsável pela “caixinha”, multa que os jogadores têm de pagar por pisadas na bola – como chegar atrasado aos treinos. “Tinha gente que queria pagar a caixinha mais tarde e ele não deixava. Alegava que, se tinha quem pagava na hora, todos deveriam fazer o mesmo. Não aceitava privilégios”.
Talvez por isso, em uma de suas primeiras experiências fora dos gramados, como superintendente de futebol do Flamengo, em 1999 – encerrou a carreira no Cerezo Osaka japonês -, Gilmar tenha arrumado um inimigo para o resto da vida: Romário. O Baixinho acertara com outros cartolas que não precisaria ir ao clube no dia seguinte às partidas. O ex-goleiro não concordou. Trombaram publicamente, o artilheiro acabou por deixar a Gávea e não perdoou Gilmar – que até então definia Romário, com quem esteve na campanha do tetracampeonato mundial em 1994, como “amigo”.
Polêmica maior só quando Gilmar passou algumas horas preso na Itália na década de 80, acusado de evasão de divisas. Na ocasião, retornava ao Brasil com Falcão, que o havia levado para conhecer o país, e teve de explicar por que estava com pouco mais de US$ 4 mil não declarados no bolso.
“Eu havia ficado na casa de um amigo e não tive gastos. O problema foi que, na chegada, como o aeroporto estava cheio e o assédio ao Falcão seria grande, um policial nos fez passar por uma porta lateral. Não fizemos a alfândega e não declarei o dinheiro que estava comigo”, recordou Gilmar. “Na volta, como na Itália havia uma lei que obrigava a declarar a entrada de mais de US$ 600, ocorreu o problema. Mas expliquei ao juiz e ele me liberou. Só que perdi o voo e tive de voltar ao Brasil no dia seguinte”.
Já Romário não engole a nomeação de Gilmar. E bate pesado. “É inadmissível Gilmar Rinaldi ser escolhido para assumir o cargo de diretor/coordenador de seleções da CBF. O cara é empresário de vários jogadores. Tive o desprazer de trabalhar com ele no Flamengo, é incompetente e sem personalidade. Só os ratos do Marin e Del Nero para escolherem uma pessoa como essa”, detonou no Twitter.
Gilmar deixou a superintendência do futebol rubro-negro e virou empresário. Isso é assunto comentado até hoje na Gávea. É que logo de cara ele passou a agenciar Adriano, Juan, Reinaldo e Gilberto, então considerados os quatro melhores jogadores do time e que pouco tempo depois, em negociações intermediadas por Gilmar, deixaram a Gávea.
“Os dirigentes da época comentam sobre isso, mas eu não estava lá. Fui companheiro do Gilmar como jogador, fomos campeões brasileiros em 1992 e ele sempre foi correto”, disse o ex-lateral Júnior. “Mas vai estar sempre ligado a isso (ao fato de ter sido agente) porque a profissão de empresário não é bem vista”.
No entanto, há quem defenda Gilmar de maneira enfática. “O que importa é que ele é honesto”, encurtou Francisco Novelletto, presidente da Federação Gaúcha de Futebol e que não morre de amores pela atual administração da CBF. “Por ele, eu coloco a mão no fogo. E olha que não sou de colocar a mão no fogo por ninguém”, disse Careca.
NA SELVA – O empresário Gilmar se envolveu em algumas polêmicas. A relação com Vágner Love foi rompida de forma ruidosa, com o jogador o acusando de não cumprir alguns acordos. Com Adriano, muitas vezes teve de se desdobrar para contornar as confusões em que o jogador se metia. O rompimento também não foi dos mais amigáveis. O atacante acertou com o Corinthians em 2011 à revelia do agente e por influência de Ronaldo – que Gilmar chamou de irresponsável por não levar em conta o momento difícil que Adriano passava na vida pessoal.
Em 2012, Gilmar, em visita ao jornal O Estado de S.Paulo, revelou que estava “meio cheio” da vida de empresário, queixou-se da falta de ética e disse pensar em mudar de atividade – o que só fez de modo efetivo há menos de duas semanas. Pensava em trabalhar na gestão de clubes ou como consultor. Antes do convite da CBF, estudava mudar para Los Angeles, nos Estados Unidos, para ficar mais perto da filha Giovanna, de 19 anos.
Agora tenta definir um formato de trabalho. Entre outras ideias, pensa em formar uma espécie de “conselho de notáveis”, com jogadores campeões do mundo, para auxiliar e trocar experiências com ele e com o técnico Dunga – de quem é amigo há três décadas.
Nas horas vagas, pretende continuar a comer uma boa massa e a saborear um bom vinho com amigos e com a família. Mas um de seus prazeres deverá deixar de lado. Gilmar sabe que será difícil arrumar tempo para pescar.