Economia

Parcelamentos de dívidas são ruins para arrecadação, diz subsecretário da Receita

Embora o governo do presidente Michel Temer tenha negociado a edição de um novo Refis (parcelamento de débitos tributários) com descontos em multas e juros para devedores, a área técnica da Receita Federal continua a se posicionar de forma contrária a esse tipo de programa, afirmou nesta terça-feira, 4, o subsecretário de Arrecadação, Cadastros e Atendimento do órgão, Carlos Roberto Occaso. Segundo ele, a prática não atinge seus objetivos de incrementar receitas e promover a regularidade fiscal dos devedores. Pelo contrário, acaba criando uma cultura de espera por novos Refis.

“Há uma perda anual de quase R$ 20 bilhões, que deixam de ser arrecadados porque os contribuintes ficam no aguardo de novos benefícios”, alertou Occaso durante audiência pública para discutir da Medida Provisória (MP) 783, que instituiu o novo Refis. A perda exata, detalhou em apresentação, é de R$ 18,6 bilhões ao ano.

A MP 783 foi editada depois de o deputado Newton Cardoso Jr. (PMDB-MG), relator da MP 766 que instituiu o Refis original (sem descontos), desfigurou o texto do governo para conceder descontos quase integrais às empresas. O ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, o secretário-executivo da pasta, Eduardo Guardia, e o secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, entraram em campo para negociar uma versão com abatimentos, mas menos brandos do que pedia o Congresso Nacional.

Mesmo assim, a MP 783 prevê diversas possibilidades de descontos, o maior deles de 50% nas multas e de 90% nos juros. Durante as negociações, os deputados pressionaram o governo com outra MP que estava prestes a caducar, a que criou um bônus de eficiência para servidores da Receita Federal.

O recém-nomeado diretor de Gestão da Dívida Ativa da União da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), Cristiano Morais, afirmou hoje que, historicamente, as empresas que aderem não precisariam do Refis para quitar suas dívidas. Além disso, ele destacou que a MP 783 foi concebida “no limite” da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF). Isso porque as medidas que dão descontos em multas e juros se aplicam a partir de janeiro de 2018. Caso os abatimentos valessem para este ano, seria preciso aumentar tributos ainda em 2017 para compensar a renúncia fiscal, salientou o diretor da PGFN. Mesmo com os descontos valendo apenas a partir do ano que vem, será preciso pensar em medidas de compensação, afirmou Morais.

Occaso reiterou na audiência pública que a iniciativa de abrir um Refis para empresas endividadas não é nova e vem de governos anteriores. Mas, segundo o subsecretário, há um desinteresse das empresas em realmente quitar a dívida. As maiores beneficiadas são grandes companhias, que usufruem das vantagens de obter certificados de regularidade fiscal momentaneamente. “Embora promova um aumento de arrecadação momentânea, principalmente pela utilização dos benefícios por grandes empresas, o parcelamento cria acomodação nos contribuintes, que não se preocupam mais em liquidar suas dívidas nos prazos normais”, alertou.

Em edições anteriores de Refis, o índice de liquidação da dívida (pagamento total dos débitos) foi muito baixo. Em determinados programas, ficou entre 2,4% e 6,5%. No Refis da Crise, esse porcentual é de 23,9%, mas também considerado pouco pela Receita Federal. Enquanto isso, mais da metade das empresas sequer consolida sua dívida com o Fisco ou a PGFN, ou seja, não conclui a renegociação e acaba voltando à situação de devedor.

“Diante de tantas modalidades, era de se esperar que o passivo fosse se reduzindo ao longo do tempo, mas o que vemos é o contrário. A dívida tributária tem subido num ritmo crescente, muito acima da linha do IPCA”, disse Occaso. “A Receita tecnicamente sempre tem se posicionado contrária à edição de parcelamentos especiais, principalmente com benefícios de descontos em juros e multas. Esses programas não têm atingido objetivo de aumentar arrecadação e aumentar a regularidade dos contribuintes.”

Diante desses fatos, o subsecretário da Receita defendeu que a nova MP 783 seja analisada com cautela pelo Congresso Nacional. O relator da proposta é o mesmo da MP 766, Newton Cardoso Jr., que já havia desfigurado o texto inicial e sinalizou com outro pacote de mudanças na nova MP, como mostrou o Broadcast no mês passado. O setor empresarial tem demonstrado o desejo por alterações, como na exigência de pagamento de 20% da dívida ainda este ano, sem os descontos.

“Exigir pagamento mais forte no início é muito difícil, muitas empresas podem não ter condições de aderir porque não têm os recursos”, disse o gerente-executivo de Políticas Econômicas da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco. “Nenhum outro Refis ocorreu em momento de crise tão profunda”, afirmou. Para ele, as alterações no Refis para contemplar as demandas das empresas podem aumentar a eficácia do programa.

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