O sobrenome é o mesmo, a história muito parecida. Enquanto Gabriel Medina aponta o padrasto, Charles Rodrigues, como o grande responsável por levá-lo a brigar pelo título mundial no surfe, a relação entre Henrique Medina e Marcos Goto começou de forma inversa. Foi acompanhando o filho nos treinos em São Caetano do Sul que Guadalupe, a mãe do ginasta, conheceu e se apaixonou por Goto, melhor técnico olímpico do País em 2013.
Aos 24 anos, Henrique é hoje um dos cinco melhores do mundo nas argolas, mas nunca foi nem o melhor da escola. Afinal, é amigo de infância e até hoje companheiro de primeira hora do seu maior adversário: o campeão olímpico Arthur Zanetti, o pupilo mais famoso de Goto.
Desde a infância, Medina se acostumou a ser segundo. Para ser campeão nas argolas, só se Arthur Zanetti não competisse ou tivesse um erro crasso. Como os dois são treinados por Goto no SERC/São Caetano, as disputas iam de torneios regionais a nacionais. A diferença entre os dois, porém, caiu radicalmente desde que Zanetti atingiu seu ápice, no título mundial do ano passado.
“A média de diferença sempre dava cinco décimos. Às vezes mais, às vezes menos. Eu tirava 14.7, ele tirava 15.2. Eu chegava em 15.0, ele fazia 15.5. Sempre essa média de cinco décimos de diferença, mas agora estou a um, dois décimos. Minha nota de partida já está maior que a dele”, conta Medina, que parte de 6.9 enquanto Zanetti sai de 6.8. A diferença ainda fica na execução, outro fator que compõe a nota final.
Número 12 do mundo em um ranking informal do ano passado (a Federação Internacional de Ginástica não compara atletas por resultados em eventos diferentes), Henrique subiu muito de produção este ano. Ganhou a primeira medalha em evento internacional na Challenge Cup (antiga Copa do Mundo) de Doha, em março, quando tirou 15.425 para faturar o bronze. Em julho, chegou a 15.670 para ganhar o Festival Pan-Americano do México. A confirmação do bom momento veio há um mês, com os 15.700 que lhe deram o ouro na Challenge Cup de Medellín, na Colômbia.
Fosse no Mundial, os 15.700 pontos deixariam Medina com o bronze, empatado com um chinês e um russo. Ficaria atrás de Yang Liu (China, 15.933) e de Zanetti (15.733). “Meu foco é ganhar do Arthur. Atleta sempre quer o máximo”, revela Medina, que ainda em novembro assinou contrato com a Confederação Brasileira de Ginástica para se tornar um dos 12 atletas da seleção brasileira.
Agora ele é um dos ginastas que podem compor a equipe no Mundial de Glasgow (Escócia), no ano que vem. Mas Medina sabe que não basta ser o terceiro melhor do mundo nas argolas. Como o Brasil quer a vaga por equipes nos Jogos do Rio/2016, novamente o time deve ser formado por atletas com bom desempenho em três ou mais aparelhos. Por isso, o ginasta de São Caetano tem treinado na barra fixa, no cavalo com alças e no salto. “Mas, querendo ou não, tem um déficit nas argolas que eu poderia ajudar”, pondera. Zanetti, de 2013 para cá, melhorou consideravelmente no salto e no solo exatamente para não sair da equipe.
Se o Brasil conseguir classificar uma equipe de cinco atletas na Olimpíada, vai mudar a estratégia para o Rio. Como aí o foco estará em medalhas, o mais provável é que se opte por especialistas. Mas Medina sabe que é muito pouco recomendável estrear em grandes eventos já disputando uma Olimpíada, em casa. “Tem que ter um teste em uma grande competição. Precisaria ter essa vivência. Porque, para chegar lá, com torcida a favor, tem todo o aspecto psicológico. Tenho que focar para estar dentro da equipe do Mundial.”
Assim como foi em Nanning, este ano, a equipe de Glasgow será definida na calculadora. Entre os técnicos que vão fazer contas para ver qual a combinação de seis atletas que pode dar o maior somatório de notas está Marcos Goto, a quem Henrique só não chama de “pai” para não ofendê-lo.
“Eu nunca tive contato com meu pai. Meu RG nem tem filiação paterna. Tenho muita raiva do meu pai, então prefiro não chamá-lo assim”, explica Medina, chamado de “filho” por Goto na maioria das vezes. Afinal, são mais de 12 anos de relação, desde que o garoto entrou na escolinha de ginástica. “Quando eu vi, ele e minha mãe já estavam juntos. Fiquei sabendo só depois”, lembra.
Os primeiros anos da relação pai/filho/treinador/atleta foram difíceis. “Hoje a
gente consegue separar as coisas e não leva mais as coisas do ginásio para casa ou de casa para o ginásio. Conseguimos separar. Minha mãe também consegue segurar bem isso. Minha família já se acostumou”, destaca Medina, que viveu seu maior momento em Medellín, ao lado de Goto. “Na competição a gente comemorou como atleta e técnico. Quando saiu da área de competição conversou como pai e filho.”