O norte-americano James Buster Douglas entrou no ringue do Tokio Dome, no Japão, diante de 40 mil pessoas, endividado, recentemente divorciado, poucos dias após ter visto a mãe morrer e com a missão de enfrentar o compatriota Mike Tyson, o campeão unificado dos pesos pesados, invicto e com 37 vitórias, das quais 34 por nocaute.
Douglas, então com 29 anos, era apontado como a maior zebra do boxe em todos os tempos. As bolsas de apostas apontavam 42 por 1 a favor do campeão. Seu cartel não era assustador: 29 vitórias, quatro derrotas e um empate. E vinha de vitórias sem emoção sobre Trevor Berbick e Oliver McCall. “Entrei para lutar com uma confiança muito grande. Minha mãe, em seu leito de morte, me incentivou”, diz Douglas, que hoje tem uma academia em Columbus, Ohio, onde nasceu.
Com um jogo de pernas impressionantemente rápido e um jab de direita espetacular, Douglas conseguiu manter Tyson a distância desde os primeiros segundos de luta. O campeão não apresentava a mesma mobilidade e velocidade nos punhos que devastaram Tyrell Biggs, Tony Tubbs e Larry Holmes. Três semanas antes, durante uma sessão de sparring, Tyson chegou a ir à lona após um direto de Greg Page, um ex-campeão que foi levado para o Japão para ajudar nos treinos.
A queda foi tratada por Don King e pela equipe de Tyson como um acidente, mas, na verdade, mostrava como o “Iron Man” não havia se preparado direito para aquele duelo. Sua cabeça estava voltada para a superluta contra Evander Holyfield. Tyson respondia a mais perguntas sobre Holyfield do que de Douglas. “Não queria ter entrado no ringue aquele dia”, reconhece o maior fenômeno da nobre arte depois de Muhammad Ali.
“Eu sabia que a minha única chance era golpear o tempo todo. Não podia deixar Tyson tomar a iniciativa. Ao mesmo tempo, não podia ficar parado diante dele. E foi o que fiz durante a luta toda”, afirma Douglas. John Johnson, mistura de técnico e empresário de Douglas, fez coro ao seu pupilo. “Muitos lutadores entravam no ringue derrotados para enfrentar Tyson. Não deixei que Douglas se intimidasse. Falei para ele buscar o ataque o tempo todo. E isso surpreendeu Tyson.”
No quinto round, o domínio da luta era todo de Douglas. “Muitos diziam que Tyson não tinha preparo físico naquele dia. Mas se ele não tivesse preparado não teria aguentado todo aquele castigo”, analisa o azarão. O olho esquerdo de Tyson ficou muito inchado. Seu córner, liderado pelo inexperiente Aaron Snowell, não sabia o que fazer diante daquele problema inesperado.
No oitavo assalto, quando todos aguardavam o nocaute de Tyson, o campeão acertou um uppercut de direita que derrubou Douglas. O juiz Octavio Mehran fez a contagem até nove e quando a luta recomeçou o gongo salvou o desafiante. Don King e a equipe de Tyson disseram que o tempo atingiu os 12 segundos, superando os dez regulamentares.
“Eu sabia que ainda poderia seguir na luta”, relembra Douglas, que voltou recuperado para o nono assalto. Tyson foi espancado. No décimo round, após uma sequência de cinco jabs, Douglas acertou um espetacular upper, seguido de esquerda, direita e esquerda. Tyson caiu pela primeira vez na carreira e, inconscientemente, tentou colocar sem sucesso o protetor bucal.
O mundo tinha um novo campeão mundial. Mas o reinado só iria durar oito meses. Frente a Holyfield, em agosto de 1990, Douglas recebeu a maior bolsa do boxe até então: US$ 24 milhões. Mas, fora de forma, foi uma presa fácil. Caiu no terceiro assalto. Quase morreu em 1994, quando chegou a pesar 180 quilos e entrou em coma diabético. “Hoje levo uma vida tranquila. Tranquilo como quando enfrentei Tyson”, diverte-se o ex-campeão mundial dos pesos pesados.