O Brasil tem mais uma estatística triste relacionada ao ambiente do trabalho. De acordo com um levantamento pelo Ministério Público do Trabalho (MPT) e pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) em 2017, ao menos um trabalhador brasileiro morreu a cada quatro horas e meia, vítima de acidente de trabalho. Além dos casos fatais, os acidentes no meio laboral provocam uma série de reflexos, principalmente previdenciários, que prejudicam empresas, trabalhadores e os cofres da União.
Por definição legal, o acidente de trabalho é aquele que ocorre no exercício do trabalho a serviço da empresa, provocando lesão corporal ou perturbação funcional que provoque a morte, a perda ou redução, permanente ou temporária, da capacidade para as atividades corriqueiras no trabalho. Doenças adquiridas em razão do trabalho também são equiparadas a acidente.
O estudo do MPT estimou que desde o começo do ano passado até o início do mês de março de 2018 foram registradas 675.025 comunicações por acidentes de trabalho (CATs) e notificadas 2.351 mortes. E, entre 2012 e 2017, a Previdência Social gastou mais de R$ 26,2 bilhões com o pagamento de auxílios-doença, aposentadorias por invalidez, auxílios-acidente e pensões por morte de trabalhadores.
Além disso, com base em cálculos da OIT, o procurador do trabalho, Luís Fabiano de Assis afirma que o país perde, anualmente, 4% do seu Produto Interno Bruto (PIB) com gastos decorrentes de “práticas pobres em segurança do trabalho”.
Na visão de especialistas, a falta de uma política mais rigorosa das empresas nas questões relacionadas à segurança no ambiente do trabalho e uma fiscalização mais atuante dos órgãos responsáveis são os principais fatores que provocam esse grave cenário.
Para o advogado trabalhista Roberto Hadid, do escritório Yamazaki, Calazans e Vieira Dias, o treinamento do funcionário é essencial para evitar acidentes. “A falta de treinamento para que o profissional saiba lidar melhor com máquinas e equipamentos de segurança reflete diretamente no fato de o Brasil ser um dos países com mais acidentes de trabalho no mundo. Além disso, existem muitos casos relacionados, principalmente, à exaustão física, mental e psicológica por busca de melhores resultados e lucro”, analisa.
A falta de uma política de segurança por parte das empresas, com manuais e maior fiscalização, é uma das principais responsáveis pelo crescimento de acidentes, afirma o advogado João Badari, sócio do Aith, Badari e Luchin Advogados. “A fiscalização da segurança do trabalhador deve ser rigorosa, ter um manual. As empresas devem investir em funcionários capacitados para a gestão na parte de segurança do trabalho. Esse profissional deve discutir com a gerência, a presidência da empresa, as políticas a serem tomadas para a diminuição dos riscos, além de um plano para minimizar os riscos. Deve haver também a inspeção regular do cumprimento prático do manual de segurança”, indica o especialista.
A advogada de Direito do Trabalho Érica Coutinho, do escritório Roberto Caldas, Mauro Menezes & Advogados, ressalta que o número alarmante de acidentes de trabalho pode ser explicado pela desconexão entre avanço tecnológico e a implementação das medidas de segurança e saúde. “Em outras palavras, as empresas querem investir em inovação e tecnologia para se manterem competitivas, mas o avanço tecnológico não é acompanhado por implementação de medidas de segurança eficazes”.
Outro ponto destacado pela advogada é sobre a necessidade do entendimento do acidente de trabalho do ponto de vista sistêmico. “É muito comum que quando ocorre um acidente de trabalho a investigação das causas do sinistro seja focada, sobretudo, no comportamento individual do trabalhador acidentado. Esse tipo de abordagem impede que se faça uma reflexão fundamental: o que há de errado no ambiente e nas relações de trabalho? Os acidentes de trabalho devem ser vistos como problemas de gestão do processo produtivo e não de negligência do trabalhador”, observa.
EPI e doença profissional
Segundo a advogada trabalhista Sthefany Guerreiro de Vicente, do Cerveira Advogados Associados, a grande parte dos acidentes do trabalho no país ocorre devido à falta ou utilização inadequada dos Equipamentos de Proteção Individual (EPIs). “Temos muitos problemas nas questões protetivas relacionadas à segurança do trabalho, principalmente pela ausência de treinamento, tanto para o exercício da própria função quanto para a utilização e entrega adequada dos EPIs. E outra falha grave é inexistência da CIPA (Comissão Interna de Prevenção de Acidentes), que é formada por empregados da empresa e auxilia nas questões de segurança do trabalhador daquele estabelecimento”, aponta.
E os especialistas também destacam que o acidente do trabalho não é apenas o “acidente” propriamente dito, provocado por alguma falha ou negligência. “Existem também as doenças profissionais e do trabalho que estão equiparadas ao acidente do trabalho”, revela Sthepany Guerreiro.
São exemplo de doenças profissionais aquelas desenvolvidas, por exemplo, em razão de atividades repetitivas, como a LER – Lesão por Esforços Repetitivos. Existem também as doenças provocas por exposição a agentes naturais, como o câncer de pele provocado por exposição ao sol nas lavouras, além de doenças graves provocadas a exposição a agentes químicos. Existem também a surdez temporária ou permanente pela exposição a ruídos. E as doenças psicossociais como depressão e síndromes, que estão associados a carga horária excessiva, à pressão no trabalho, ou a algum desentendimento na área laboral.
Efeitos previdenciários
Em caso de acidente de trabalho, o trabalhador poderá receber o benefício auxílio-doença acidentário. Nesse caso, se houver incapacidade transitória por mais de quinze dias, em razão de acidente de trabalho ou doença advinda das condições laborais, o empregado tem direito a receber o benefício pecuniário do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). No caso de lesão permanente, o trabalhador pode até mesmo ser aposentar por invalidez.
“Importante observar que os benefícios previdenciários em caso de acidente de trabalho são concedidos após uma perícia realizada pelos médicos do INSS. No caso do auxílio-doença, por exemplo, ele será válido até que a perícia médica que o trabalhador está apto a retornar às suas atividades normais”, explica João Badari.
Entretanto, caso o trabalhador não apresente as condições necessárias para retornar ao trabalho, ele poderá contestar o resultado da perícia na Justiça, revela o advogado Roberto Hadid. “No Judiciário, o trabalhador terá que provar a sua incapacidade para obter o seu retorno ao benefício do pagamento do auxílio-doença”, diz.
O trabalhador tem direito também ao auxílio-acidente. O benefício é concedido ao segurado que ficar com sequelas resultantes das lesões do acidente que impliquem na diminuição da capacidade para exercer o trabalho que habitualmente exercia antes do acidente.
Já os casos de invalidez permanente, segundo os especialistas, dão direito ao trabalhador, também após passar pela perícia do INSS, do recebimento da aposentadoria por invalidez. “E em caso de morte do trabalhador segurado do INSS, os dependentes têm direito a pensão por morte por acidente de trabalho”, indica Hadid.
Nos tribunais
Na Justiça, a grande dificuldade, segundo os especialistas, é sobre a comprovação de responsabilidade do empregador em caso acidente de trabalho. “Em última análise, o empregado acidentado precisa provar para o Poder Judiciário que a empresa agiu de forma negligente e, por essa razão, ele (o trabalhador) sofreu acidente ou alguma doença foi desencadeada”, revela a advogada Érica Coutinho.
No caso das doenças profissionais, segundo a especialista, a grande dificuldade está relacionada às perícias judiciais. “É por meio das perícias que o nexo de causalidade entre o trabalho e o adoecimento é confirmado ou afastado. Do ponto de vista dos valores indenizatórios, as decisões judiciais fixam os mais diversos montantes dependendo da gravidade do acidente ou da doença alegada”, afirma.
Outro ponto importante destacado pelo advogado Roberto Hadid é que a jurisprudência trabalhista – diversas decisões recorrentes sobre o mesmo tema – está admitindo responsabilidade civil objetiva do empregador para obrigá-lo a indenizar o trabalhador acidentado. “Basta que o empregado demonstre ter acontecido a ação ou omissão do empregador e o nexo de causalidade deste com o dano por ele experimentado. Está previsto no nosso Código Civil que haverá a responsabilidade de reparar o dano, independentemente de culpa, quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar riscos para os direitos de outrem”, explica.
Hadid também informa que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) está acatando a responsabilidade civil objetiva nas hipóteses de acidente do trabalho “justamente por entender que a empresa deve arcar com os riscos advindos de sua atividade empresarial (responsabilidade em face do risco). E não é só. No caso de morte do trabalhador acidentado, a situação contra a empresa se agrava, pois ela deverá arcar com o pagamento de danos emergentes, lucros cessantes e indenização por danos morais aos herdeiros dependentes do trabalhador. Isso porque os dependentes do falecido podem ingressar com ação contra o empregador requerendo essas indenizações”.
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