Quem vê Rafael Buzacarini treinando acha estranho. A faixa sobre a cintura larga parece desbotada. Mas basta olhar mais de perto para constatar: ela é marrom. Melhor brasileiro do ranking olímpico da categoria meio-pesado do judô, Buzacarini até hoje não conseguiu se graduar para a faixa preta. Já são mais de 12 anos tentando.
“O campeão do Paulista por Faixa leva a faixa preta. Esse ano eu lutei, mas perdi para um cara de Sorocaba, que eu nem conheço. Eu tinha já feito oito lutas em dois dias, acabei vacilando na final. Mas eu não ligo. Faixa é só para amarrar o quimono. Meu foco é nas competições, nem ligo nisso de faixa”, conta o judoca, que já participou cinco vezes do evento e sempre perdeu.
A faixa marrom, claro, gera brincadeiras dos colegas, mas passa despercebida pelo grande público. Nas competições internacionais, vestir a faixa preta é obrigatório, ainda que o atleta ainda não tenha tal graduação. O mesmo não vale nas competições nacionais. No Grand Prix Interclubes, disputado por 12 equipes, Buzacarini, facilmente reconhecível por ser um “quase albino”, era um dos poucos judocas com a faixa marrom.
Mas essas não são as únicas coisas que o diferenciam dos melhores do País. Estudante de fisioterapia, ele treina na Associação de Judô Vila Sônia, na Zona Sul de São Paulo, que não tem equipe para disputar o Grand Prix. O São Caetano, que ele defendeu até o ano passado, estava suspenso e Buzacarini acabou contratado para defender por uma semana o modestíssimo Jequiá, do Rio. “Eu corro por fora. Escolhi essa opção. Corro por fora, mas quero conquistar meus resultados dentro do tatame.”
Enquanto praticamente todos os demais integrantes da seleção se dividem pelos quatro grandes clubes do País (Pinheiros, Minas Tênis Clube, Sogipa e Instituto Reação), Buzacarini cresceu sem as costas quentes.
Venceu o Brasileiro de 2012 e, depois, chegou à seleção ganhando a primeira etapa da seletiva olímpica, naquele mesmo ano. No início de 2013, era o terceiro nome da categoria quando fez sua estreia internacional. Foi sétimo lugar em um Grand Slam e ganhou três medalhas em etapas de Grand Prix, mas viu Luciano Corrêa, do Minas Tênis Clube, e Renan Nunes, da Sogipa, disputarem o Mundial, no Rio.
Renan ficou pelo caminho na corrida olímpica, fora da seleção, os resultados de Buzacarini não se mantiveram e Luciano assegurou a titularidade da categoria, o que o levou à prata do Campeonato Pan-Americano e ao ouro nos Jogos Pan-Americanos.
Em seu terceiro Grand Slam do ano, entretanto, Buzacarini reagiu e surpreendeu ao ganhar a medalha de prata em Paris, melhor resultado de um brasileiro no ciclo olímpico na categoria. “Eu sabia que vinha de competições boas, que estava num ritmo bom. Eu ia para a competição, lutava bem, mas perdia na primeira ou segunda luta, sentia que podia chegar mais longe. Dessa vez fiquei em segundo, mas com a sensação de que podia ficar com a medalha de ouro, então isso dá uma motivação a mais.”
O resultado fez o paulista alcançar 416 pontos e, por 14, ultrapassar Luciano Corrêa no ranking olímpico, que leva em consideração o peso que os pontos terão ao fim da corrida. O Brasil tem uma vaga por categoria e, entre os meio-pesados, ela será de Luciano ou Rafael. Diferentemente do que acontecia no passado, quando havia confronto direto, o escolhido pode chegar ao Rio-2016 sem ter enfrentado o rival.
“O Luciano tem uma longa história e eu tenho que treinar e aproveitar as oportunidades que são dadas para mim. Eu lutei com ele uma vez só, em 2010, evoluí, ele também, mas queria ter a oportunidade de pegar no quimono dele para ver como eu estou, como ele está, quem está melhor. A gente tem uma amizade boa e a rivalidade é saudável”, conta.
No ranking mundial, que considera resultados dos últimos dois anos, Luciano ainda está na frente de Buzacarini. Mesmo assim, a CBJ resolveu dar aos dois as mesmas chances neste fim de ano. Os dois lutam tanto no Grand Prix de Jeju (Coreia do Sul), na semana que vem, quando no Grand Slam de Tóquio (Japão) na semana seguinte. “Na minha cabeça, é onde vai decidir quem vai para a Olimpíada”, aposta Buzacarini.