A morte de Jeffrey Epstein, em agosto de 2019, na cela em que estava preso havia pouco mais de um mês, deixou um gosto amargo na boca das mulheres sobreviventes dos abusos sexuais perpetrados por ele – algumas esperavam havia mais de 15 anos por enfrentá-lo cara a cara e retomar o domínio sobre suas próprias histórias.
"Foi um choque", disse em entrevista ao <b>Estadão</b> Marijke Chartouni. Se não fosse por um gesto do juiz, que deu espaço para que elas falassem no tribunal, mais uma vez elas teriam sido caladas. O objetivo de Sobreviver a Jeffrey Epstein, série em cartaz até domingo, às 20h, no canal Lifetime, é justamente amplificar a voz dessas mulheres. "Queríamos que a história fosse contada sob o ponto de vista das sobreviventes", disse o produtor Robert Friedman.
O caso de Jeffrey Epstein, como os de Harvey Weinstein e R. Kelly, que também geraram série no mesmo canal, é mais um daqueles que demandam uma resposta à pergunta: como esse homem conseguiu abusar sexualmente de tantas meninas e jovens mulheres impunemente, por tanto tempo? As primeiras denúncias contra ele surgiram em 2005, em Palm Beach, ilha luxuosa no sul da Flórida.
A imprensa e os investigadores conseguiram levantar não apenas dezenas de casos como um esquema de pirâmide em que uma menina recrutava outras. Em 2008, o bilionário foi preso, mas conseguiu um acordo, à revelia das vítimas, em que foi condenado a apenas 18 meses de prisão – e saiu antes disso. Assim que deixou a cadeia, voltou a circular nos mesmos círculos de ricos e poderosos de antes, ao lado de outros ricos e poderosos como Donald Trump, o Príncipe Andrew e Bill Clinton. "Como ele conseguiu voltar a conviver na sociedade, e as pessoas simplesmente o perdoaram, sem que fosse realmente punido pelo que fez, nem que reconhecesse a severidade do que fez?", indagou Ricki Stern, que codirigiu a série com Anne Sundberg.
Por isso, não é difícil de entender por que tantas escolheram ficar caladas. Para Marijke, a força para falar veio apenas com a segunda prisão de Epstein, em 2019, pós-movimento Me Too. "Para mim, pareceu a coisa certa a fazer. Eu achei que podia ajudar outras pessoas na mesma situação, dizendo que elas não precisavam carregar a vergonha e o segredo", afirmou. "Antes de sua prisão, eu não entendia a gravidade do caso. Não sabia que o que tinha acontecido comigo tinha também se passado com outras. Eu achava que só tinha ocorrido comigo. E acreditava ser minha culpa."
Sundberg espera que a série ajude no debate sobre mudanças na prescrição de crimes envolvendo abuso sexual. "E espero que possa fortalecer a capacidade das mulheres de chamar a atenção para esse tipo de comportamento e auxilie na construção de processos contra os criminosos."
Sobreviver a Jeffrey Epstein destaca a sofisticada operação de tráfico de pessoas e abuso sexual, dando voz individual a cada uma das mulheres. "Em outros projetos, as sobreviventes foram agrupadas. Nós queríamos dar a cada mulher a chance de falar de sua experiência singular. Mas, no conjunto, seus depoimentos mostram as diferentes táticas que eles usavam para envolver as meninas", disse Sundberg. Em geral, eram garotas que já haviam sofrido algum tipo de abuso sexual sem punição para os culpados – e que, portanto, achavam que era como o mundo funcionava – ou que eram de famílias desestruturadas ou muito pobres, para quem os US$ 200 prometidos por uma massagem faziam diferença. Muitas continuavam indo por anos a fio. "Nós queremos abrir esse diálogo para que as pessoas entendam por que isso acontece. E que não há certo ou errado na maneira como cada uma enfrenta o trauma. Temos de respeitar, nos educar e ouvir. E assim espero que a maneira como lidamos com esse assunto mude."
Epstein não estava sozinho. Havia uma rede de pessoas que facilitavam sua ação, inclusive sua ex-namorada Ghislaine Maxwell, que foi presa em julho deste ano, quando faltavam apenas duas semanas para a conclusão da série. Apesar do tempo escasso, a equipe conseguiu incluir a detenção de Ghislaine, que não só aliciava as garotas, como é acusada de abuso sexual também. Para Anne Sundberg, essa talvez seja a chance das sobreviventes de ter a tão sonhada justiça. "Seu julgamento pode trazer algum tipo de conclusão para essas mulheres", disse a diretora. O caso, porém, continua correndo, com novas revelações semanais. Mas, pelo menos, as sobreviventes finalmente foram ouvidas.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>