Com Missa Solene de Beethoven, maestro Thierry Fischer estreia na Osesp

No começo, o vazio, o silêncio. Então, é como se fôssemos colocados em um estado de suspensão. E logo em seguida, a guerra. "Não dura mais do que dois segundos", diz o maestro Thierry Fischer. Canta o começo da peça, uma, duas, três vezes. Olha para o alto. "Toda ideia de eternidade e transcendência", ele começa, mas faz uma pausa. "Viemos do pó, voltamos ao pó. Aquele primeiro silêncio, isso me pega todas as vezes."

No final da tarde de terça, em sua nova sala no 2º andar da Estação Júlio Prestes, Fischer está falando da Missa solene de Beethoven – obra com que faz hoje, amanhã e sábado sua estreia como regente titular e diretor musical da Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo, substituindo a maestrina Marin Alsop.

"Beethoven cria algo tão complexo, mas uma complexidade que fala diretamente conosco. A Missa é visionária como só uma obra de arte pode ser, como uma pintura de Picasso, um Giacometti, que revelam a nós milagres possíveis." Outra pausa, o olhar para o alto. "Poderia sentar aqui e falar de cada pedaço da missa, mas não vou fazer isso."

Ele está mentindo. "Pensa no Gloria, nessa alegria inocente. Então, o Sanctus" – ele canta um pedaço da música, bate as mãos na mesa. "E o Credo, no qual na verdade ele nos coloca uma dúvida: será que devemos crer?" – Fischer abre os braços, grita, como se repetindo as palavras do coro. "É complexo, mas o lado obscuro da complexidade. É perturbador." Outra pausa. "É um privilégio ser perturbado por uma obra de arte."

Os concertos desta semana na Sala São Paulo abrem a temporada da Osesp, que este ano homenageia Beethoven por seus 250 anos. E o compositor será um dos focos de Fischer em suas oito semanas à frente da orquestra em 2020 ("Haverá mais nos próximos anos", ele faz questão de ressaltar). O principal destaque é a interpretação das oito primeiras sinfonias do compositor – a Nona sinfonia foi interpretada por Alsop na sua despedida do grupo, em dezembro, e Fischer imagina regê-la talvez em 2021.

"Falei muito com a orquestra hoje sobre o que entendo como disciplina coletiva, como articulação coletiva. Não me entenda errado, é uma orquestra fantástica. Mas nesse primeiro ano precisaremos encontrar a personalidade em nosso relacionamento. E ela tem a ver com isso. O som de uma orquestra vem dessa capacidade de articulação, do desenvolvimento de uma coesão coletiva.
Do prazer de fazer as coisas juntos. Projeção, precisão, balanço, equilíbrio, é nisso que vamos trabalhar. E é isso que Beethoven exige. É perfeito que comecemos essa parceria artística justamente com as oito sinfonias. Com elas, o objetivo é quebrar para construir. E, com elas, desenvolvemos um desejo coletivo de excelência."

O nome de Fischer foi anunciado como regente principal e diretor musical em junho, favorito entre candidatos como Alexandre Liebreich e Alexander Shelley. Ele nasceu no Zâmbia, mas cresceu na Suíça. Começou na música como flautista e atualmente é diretor da Sinfônica de Utah e principal regente convidado da Filarmônica de Seul.

O primeiro posto ele deixa no fim de 2022; o segundo, em dezembro deste ano, abrindo mais tempo para sua permanência em São Paulo. A expectativa é de que ele esteja no Brasil com mais frequência do que Alsop. E, quando seu nome foi anunciado, a direção da Osesp foi clara em afirmar que espera, com ele, aumentar a conexão da orquestra com a cidade e o País. Não é uma fórmula fácil. Mas Fischer se diz pronto.

"Conectar-se com a cidade é o ponto de partida", diz. "Já temos planos de turnês internacionais. Mas só faz sentido para a Osesp viajar pela América do Sul, por exemplo, se o seu público em São Paulo se orgulhar desse plano e apoiá-lo." O maestro diz também querer estabelecer contato com outras instituições culturais. "É meu papel conhecer museus, teatro de ópera, companhias de balé. No fim de semana fui conhecer o Masp, percorri o museu e depois conheci o projeto, bastidores. Entrar em contato com projetos ambiciosos e ousados me fará ser mais ousado com a Osesp. A arte, afinal, nos ajuda a sermos melhores, sempre."

Já na porta do escritório, ele se despede. "Não, uma última coisa, me desculpe, que esqueci de falar sobre a Missa, e é muito importante: no final, a missa nos fala de uma visão da eternidade, de uma paz individual e coletiva. Mas a peça acaba de repente. Depois de uma hora e 20 de música, nada. Eu acho fascinante, porque…" Uma outra pausa. "Beethoven queria terminar com uma pergunta. Pense nisso."

As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>

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