Máscaras, ruas vazias e espaços públicos com eventos cancelados, incluindo missas. A apreensão cresce na Itália no ritmo da divulgação de novos casos. Há três anos em Milão, o primeiro contato da jornalista brasileira Mari di Pilla com a situação se deu na quinta-feira, durante um desfile na semana de moda local. "Já se comentava bastante, mas ninguém ainda usava máscara. No dia seguinte, tudo mudou e o uso se generalizou. Até que no domingo dois desfiles importantes foram cancelados", conta ela.
Um decreto do Ministério da Saúde, com disposições específicas e destinadas aos residentes da Lombardia, foco do surto em 11 cidades, cancela eventos e pede às pessoas um "toque de recolher voluntário", ao "evitar frequentar lugares superlotados e de participar de manifestações".
Entre as medidas extraordinárias, válidas até dia 1.º, há restrição na circulação entre as cidades afetadas, fechamento de 5.500 escolas, além de creches, teatros, cinemas e museus. Anteontem, o chefe da região do Vêneto, Luca Zaia, suspendeu até o tradicional carnaval de Veneza.
No esperado desfile de Giorgio Armani em Milão, os modelos desfilaram na passarela excepcionalmente sem plateia – jornalistas e compradores puderam acompanhar o evento ao vivo, mas pelas redes sociais. Armani tomou a decisão minutos antes do início do desfile, preferindo um teatro vazio. Moradora do agitado Naviglio, bairro central de Milão, famoso por sua vida noturna e seus canais navegáveis, projetados por Leonardo da Vinci, Mari aliás se surpreendeu com a ausência de pedestres no local.
Segundo o motorista de Uber brasileiro Wenderson, há dois anos em Milão, o movimento caiu, ao menos 40%. "Ninguém quer saber de sair de casa", afirmou. Cenas como a de El Duomo e do Teatro alla Scala fechados começam a correr o mundo.
Curadora do Salão Satélite, mostra que ocorre paralelamente ao Salão do Móvel de Milão, Marva Griffin teve de rever seus planos de viagem. Com conferência confirmada para março, em São Paulo, ela cancelou seu compromisso. "Nossa diretoria proibiu qualquer deslocamento de nosso staff para o exterior até segunda ordem. Jamais vi situação como esta."
A preocupação atinge todos os que chegam, independentemente de virem de países ainda sem o surto. Ainda no avião que levava o time do Barcelona a Nápoles, jogadores e demais integrantes da delegação tiveram a temperatura medida por médicos locais. O jogo de desta terça está mantido pela Uefa, mas atividades de basquete, vôlei, hóquei no gelo e patinação artística em toda a região norte forem suspensas no fim de semana.
Eventos futuros também já são afetados. A feira de literatura infantil e juvenil de Bolonha – a principal do mundo – foi adiada em razão do avanço do coronavírus na Itália. O evento, que seria realizado de 30 de março a 2 de abril, foi transferido para 4 a 7 de maio.
"Se fala de tudo e de modo confuso: isolamento, fechamento de escolas, cinemas, teatros. Mas a cada nova notícia, o resultado é o mesmo, com as pessoas correndo para estocar comida", conta o arquiteto brasileiro Gustavo Minosso, há 12 anos em Milão.
Apesar de continuar a frequentar seu escritório normalmente, Minosso tem evitado lugares fechados. Até o momento, não vê motivos para pânico. "Existe muito alarmismo", argumenta.
Mas até as missas estão canceladas no norte da Itália. Enterros e casamentos podem ser celebrados, mas somente com a presença dos parentes próximos. A Igreja até sugere assistir missas pela TV. Padre Gabriele Bernardelli, pároco da cidade de Castiglione dAdda, dirigiu uma mensagem comovente aos fiéis. "Percebemos a nossa impotência e, por isso, gritemos a Deus a nossa surpresa, o nosso sofrimento, o nosso temor."
<b>Caminho inverso</b>
Entre os brasileiros que pretendem se deslocar para Milão, ou arredores, nos próximos dias – e meses – a sensação geral é de espera. "Até o momento, não tivemos nenhum tipo de desistência", diz a agente de viagens Simonetta Occhionero.
Um de seus clientes, no entanto, o empresário gaúcho Edson Busin, diretor de Marketing da Dell Ano, já está revisando seus planos de viagem para o Salão do Móvel de Milão, marcado para abril. "Há seis meses programamos a viagem, mas na sexta faremos uma reunião final para decidir sobre nossa ida e, pelas notícias que temos até agora, a possibilidade de que ela não ocorra é bem grande."
<b>OMS</b>
O diretor-geral da Organização Mundial da Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus, disse na segunda-feira que "temos de frear a epidemia" o mais rápido possível, pois o vírus do Covid tem potencial pandêmico. Oficialmente, está mantido o status de emergência sanitária internacional para o vírus.
Por enquanto, o que difere o atual momento do que ocorreu na pandemia de gripe aviária, em 2009, é a abrangência. "Não há complicações graves ou mortes em larga escala", observou o especialista.
Além disso, grande parte dos casos continua ligada à China.
<b>Brasil</b>
O Ministério da Saúde adicionou na segunda-feira oito países na lista de alerta do novo coronavírus, incluindo Itália, Alemanha e França. Além desses, entram no rol do governo Austrália, Filipinas, Malásia, Irã e Emirados Árabes. Isso significa que serão considerados suspeitos da doença passageiros que estiveram nesses locais e apresentem sintomas, como febre forte e tosse. O novo protocolo, antecipado pelo estadao.com.br, é resultado da confirmação de transmissão do vírus dentro desses países.
O registro de sete mortes na Itália, além de quarentena em 11 cidades do país, elevou o alerta global.
Antes, pessoas com sintomas de gripe vindas da Itália, por exemplo, não recebiam atenção especial da vigilância sanitária brasileira, pois a suspeita de coronavírus era descartada na hora. Agora haverá protocolo específico em que, caso o passageiro tenha febre associada a algum outro sintoma, será enquadrado automaticamente como caso suspeito.
Uma análise clínica poderá ser feita no desembarque e, caso a suspeita se mantenha, o passageiro será levado a um hospital. Além da China, epicentro do surto, o Brasil já havia colocado no rol de alerta, semana passada, Japão, Cingapura, Coreia do Sul, Coreia do Norte, Tailândia, Vietnã e Camboja.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, o ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, disse que não há orientação para evitar ida à Itália. Há recomendação para que não sejam feitas viagens só à China.
O Brasil recebeu ao menos 5,3 mil voos, em 2019, dos países incluídos na lista – 1,3 milhão de passageiros vindos de Itália, França, Alemanha e Emirados Árabes, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
O País diz seguir orientações da OMS para ampliar a lista. O critério para incluir países é haver ao menos cinco casos com transmissão interna.
Secretário de Vigilância em Saúde do Ministério, Wanderson Oliveira disse não cogitar medidas restritivas, como vetar a circulação de pessoas ou mercadorias. Medir a temperatura de todos os passageiros de países sob alerta, disse, também é ineficaz. "Muitos casos se transmitem mesmo sem febre."
Há quatro suspeitas no País – três em São Paulo e uma no Rio. Já foram descartadas 54. A avaliação de integrantes da pasta é de que, com a nova lista, o total de suspeitas deve subir. Há no mundo, diz a OMS, 79.409 casos confirmados e 2.622 óbitos.
<b>Medidas</b>
Segundo apurou o jornal O Estado de S. Paulo, o governo está em fase final de compra de equipamentos, como máscaras e luvas. Já a contratação de mil leitos em hospitais, anunciada em janeiro, ainda está em análise.
O governo corre para garantir a compra de imunoglobulina, usado em pacientes com imunidade baixa e para amenizar efeitos de infecções. A ideia é trazer o produto emergencialmente da China e da Coreia do Sul, mas a finalização da importação espera aval da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).
Para Alberto Beltrame, do Conselho Nacional de Secretários de Saúde, o País está preparado para eventual chegada do vírus. "Já estão identificados os hospitais e, se a doença evoluir, providências serão tomadas." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>