Com o auxílio de uma bengala, Alberto Marson desce a escada do sobrado estiloso de um condomínio de alto padrão em São José dos Campos, interior de São Paulo. O vencedor da medalha de bronze com o basquete brasileiro em Londres-1948 leva com cuidado seus tênis brancos número 44. A altura de 1,86m é prejudicada por causa da escoliose e da cifose que encurvaram a coluna ao longo do tempo. Aos 91 anos, o medalhista olímpico mais antigo do esporte brasileiro está lúcido, bem humorado e não sente dores.
Marson continua e chega à uma das salas da casa. No centro, uma mesa cheia de caixas de veludo com medalhas e pastas pretas com recortes de jornais e revistas. Uma pilha enorme. Dona Dirce, sua mulher, já havia preparado tudo. É ali que começa a viagem.
Além da Olimpíada de 1948, a edição que restabeleceu o calendário olímpico após o fim da Segunda Guerra Mundial, Marson foi vice-campeão no Sul-americano do Paraguai, em 1949, e bronze no Pan de Buenos Aires, em 1951. “Aquela seleção conquistou a única medalha (do Brasil) na Olimpíada”, conta.
Tudo isso está na mesa. A memória do ex-armador é um vai e vem. Cai e sobe, quica e gira como uma bola de basquete. Num instante, ele reconhece os rostos em preto e branco, lê as legendas e revive o que passou. No outro, fica procurando a palavra nos espaços da toalha bege de crochê.
Hoje, ele sente falta da natação, sua segunda paixão. Após uma queda feia em casa, em dezembro de 2014, ele quebrou o fêmur esquerdo e sofreu uma cirurgia. Por isso, a necessidade de bengala e de sessões de fisioterapia, três vezes por semana. Ele não pode mais dirigir nem fazer compras. “Ele adora banho frio. E isso é muito bom”, conta a fisioterapeuta e sobrinha Silva Ferri.
As lembranças parecem embaralhadas, mas acabam se juntando. Como a natação, por exemplo. Antes de se tornar uma lenda do basquete, Marson era nadador. Só trocou de esporte por causa da altura. Dona Dirce conta que ele ainda é um peixe.
Marson teve sua carreira de atleta interrompida ao sofrer uma queda durante um treino. Duas fraturas. Sem médicos especializados na época, demorou três anos para se recuperar. Formado em Educação Física pela USP, virou professor e técnico. No basquete, comandou grandes jogadores, como Edvar Simões, Peninha e Pedro Yves.
BODAS – A mulher aparece bastante na história porque ela ajuda o marido em todas as atividades, até na hora de preencher algumas lacunas da memória. Mesmo aos 91 anos, ela não perde o fio da meada. Já são 63 anos de casamento, ela não sabe dizer bodas de quê. Detalhe: ela foi campeã paulista de vôlei em 1950 e também tem uma medalha para mostrar. Seu Alberto sorri e reclama que ela não lhe dá dinheiro. São só R$ 50 para cortar o cabelo e olhe lá. “Ele não gasta muito”, ela justifica.
O cotidiano é feito de caminhadas pelo condomínio e fisioterapia. O casal vive sozinho, mas os três filhos estão sempre por perto. Alberto vê pouca tevê, mas acha que o Brasil tem chances de fazer um bom papel nos Jogos do Rio. Tanto no basquete quanto no geral.
Dona Dirce sentiu falta de um convite para participarem dos festejos da chegada da tocha olímpica ao Brasil ou algum evento da Olimpíada. Alberto diz que não liga.
No meio de uma frase, ele se lembra que era preciso oferecer um lanchinho. As mãos grandes – número 44 também -, perderam a firmeza dos arremessos de fora do garrafão e sofrem para erguer a travessa de manjar com calda de ameixa e vinho. Dirce ajuda. Ele pega um pedacinho só, mas confessa que não resiste a um docinho. O armário deixa entrever uma vasilha grande de paçoquinha, quase pela metade.
De manhã, sua receita de saúde é uma vitamina de frutas. O genro Daniel Stockler, que trabalha na área de alimentação, sempre leva empadas de frango. “É isso que está me mantendo”, brinca o ex-atleta, que não tem restrições alimentares.
Depois da fratura, Alberto sofreu outras três quedas, todas menores. A família ficou preocupada e procura uma casa sem escadas. Seria mais confortável, mas ele não quer. Depois de 12 anos, está acostumado até com os degraus. “A escada é fácil, difícil é não poder sair”.
Na saída, faz questão de ir até a porta, pé ante pé, com a bengala, tênis branco e o orgulho de ser o primeiro medalhista olímpico do Brasil ainda vivo.
3 DIAS DE AVIÃO ATÉ LONDRES – A delegação brasileira de 120 pessoas (72 atletas) demorou três dias para chegar a Londres para a disputa dos Jogos Olímpicos de 1948. Saindo do Rio, o voo fez escalas em Natal (RN), Dacar (Senegal) e Lisboa (Portugal).
O time de basquete estava em desvantagem numérica, pois tinha apenas dez atletas contra 14 dos principais adversários. Além disso, o local das partidas ficava a 45 quilômetros do alojamento onde os jogadores estavam concentrados. Os brasileiros estranharam ainda que o time norte-americano, que acabou faturando o ouro, tinha uma bola para cada atleta treinar.
O Brasil conseguiu superar as dificuldades dentro da quadra. Foram sete vitórias e apenas uma derrota, para a França na semifinal (43 a 33). A medalha de bronze foi a primeira olímpica brasileira em um esporte coletivo. “Eu até achava que nós éramos melhores, mas a França fez uma grande partida”, conta Alberto Marson, o único integrante vivo da seleção de 1948.