Daniel Alves não precisa da braçadeira de capitão para se comportar como líder da seleção brasileira. Os números o credenciam como uma das principais referências do grupo. Entre os 23 atletas chamados por Dunga para os jogos contra Argentina e Peru, pelas Eliminatórias da Copa do Mundo de 2018, somente Kaká foi mais vezes convocado do que o lateral-direito do Barcelona.
Com 86 jogos pela seleção, Daniel Alves assume o papel de porta-voz daqueles que, por exemplo, não têm coragem de criticar o comando da CBF. “Alguns jogadores têm medo de falar e não voltar à seleção”, disse o lateral nesta entrevista exclusiva. Quando o assunto é Neymar, o jogador se posiciona como uma espécie de escudo para proteger o craque. “Ele é meu companheiro e sempre vai ser defendido por mim. Basta a imprensa para bater nele”.
Agência Estado – Depois da Copa América, você criticou a CBF e disse que o futebol brasileiro parou no tempo. Teve medo de sofrer algum tipo de retaliação e não voltar mais à seleção?
Daniel Alves – As pessoas precisam ter confiança no seu trabalho e na sua verdade, independentemente da repercussão que isso possa ter. Tenho de suportar as consequências das minhas atitudes e não dos meus medos. Falei o que pensei com o único objetivo de ajudar o futebol brasileiro a melhorar. Não tenho nenhum interesse particular. Sei que falei com a boca de alguns jogadores que têm medo de falar e não voltar à seleção. Mas, o meu trabalho é muito mais forte do que uma opinião que eu possa ter sobre um determinado tema. Eu estava entalado, engasgado, e preparado para a qualquer repercussão.
AE – Você chegou a dizer que não era possível que o presidente da CBF não viajasse com a seleção. Ainda mantém essa posição?
Daniel Alves – Falei naquele momento o que eu pensava. Não preciso ficar batendo na mesma tecla. Agora é pensar no futuro e continuar lutando para a melhoria da seleção e da organização do futebol. A junção de tudo isso vai ter reflexos dentro de campo.
AE – Você é um jogador que sempre sai em defesa dos outros atletas. Não poderia, por exemplo, ser capitão da seleção?
Daniel Alves – Eu me predisponho a ajudar sempre que necessário. A minha posição independente da tarja de capitão. Vou continuar defendendo meus companheiros. Cada um age da forma que achar melhor. Continuarei tendo o mesmo comportamento para não deixar que coisas de fora afetem o grupo.
AE – As críticas incomodam?
Daniel Alves – É complicado ver gente que já foi jogador, e sabe das dificuldades que passamos, ter uma visão do futebol como se fosse o melhor do mundo ou nunca tivesse cometido algum erro. Sempre assisto aos jogos com uma visão bastante crítica e procuro compreender os erros ou tomadas de decisões equivocadas porque entendo como é complicado fazer escolhas acertadas em fração de segundos.
AE – Tem jogador que rende menos na seleção do que no clube porque tem medo de errar e não voltar a ser convocado?
Daniel Alves – A seleção tem de ser a mescla de jogadores jovens e mais experientes. Quando eu era mais novo, passei por diversas situações de não tomar a decisão na hora certa por falta de confiança. Quando você começa a ter controle desse tipo de situação o seu trabalho rende mais. A partir da confiança é que surgem os resultados. Isso só vem com o passar do tempo, mas se pudermos encurtar esse prazo será melhor para a seleção.
AE – O 7 a 1 ainda está engasgado ou faz parte do passado?
Daniel Alves – O passado só tem de ser observado se for para melhorar o presente e, consequentemente, o futuro. Se não for assim, não vejo motivos para você ficar voltando toda hora ao passado, até porque não dá para mudar o que já está feito. Sem dúvida nenhuma aquela derrota foi dolorosa, mas ficou para trás. Temos de olhar para frente e fazer com que aquilo não volte nunca mais a acontecer.
AE – Você conhece muito bem o Messi no Barcelona. Qual é o tamanho da vantagem do Brasil em jogar contra a Argentina sem ele?
Daniel Alves – Estamos falando do melhor jogador do mundo. Não enfrentá-lo é um ponto a nosso favor, mas não temos que nos apegar a isso. A Argentina não se resume exclusivamente ao Messi e tem outros jogadores de qualidade que tentarão superar a ausência dele. Por isso, temos de estar muito bem preparados para conseguir um resultado positivo fora de casa. Se a gente se apegar muito à ausência do Messi, teremos dificuldades.
AE – Depois da expulsão do Neymar na Copa América, você deu uma entrevista dizendo que saiu em defesa dele na imprensa, mas que, quando estavam só vocês dois, o tom da conversa foi outro. Você pode revelar o que disse para ele?
Daniel Alves – Isso fica nos bastidores, não se comenta. Sou um cara que sempre se preocupa com as pessoas que eu gosto. Tenho alguns anos a mais de experiência no futebol do que ele, e isso acaba ajudando em momentos como aquele. A expulsão ficou de aprendizado para o resto da vida dele. Ele é meu companheiro e sempre vai ser defendido por mim. Se eu tiver que criticá-lo vai ser numa conversa particular, e nunca em público. Basta a imprensa para bater nele.
AE – Como a seleção pode resolver a dependência que tem do Neymar?
Daniel Alves – Não acredito que o Brasil tem uma Neymardependência, assim como costumam falar que o Barcelona tem a Messidependência. É claro que, quando esses jogadores estão em campo, a equipe circula em função deles. É evidente que você tem de procurar explorar o máximo possível um jogador dessa qualidade porque ele pode resolver jogos complicados. Mas uma equipe vai muito além de um único jogador. O futebol é um esporte coletivo. O Ney é o nosso diferencial e não o nosso tudo. Nesse ponto, acho o futebol injusto. Sempre falam em dependência de um jogador quando é para o lado positivo. Quando é algo negativo, o foco se volta para os outros. Cada jogador tem a sua importância dentro da seleção e todo mundo tem de procurar fazer o melhor para a gente formar uma grande equipe.
AE – Você foi convocado duas vezes por causa da saída de outros jogadores. A primeira foi na Copa América, quando o Danilo saiu por lesão, e depois nas Eliminatórias com o corte do Rafinha, que pediu para não jogar. Agora você foi chamado na primeira lista. Acha que conquistou de vez o seu lugar na seleção?
Daniel Alves – A minha história na seleção vem há muito tempo. Sempre tentei fazer o meu melhor. Algumas vezes consegui, em outras não. Gosto de dizer que sempre consegui as coisas pelos meus méritos e não por demérito dos outros. O mais importante é estar preparado para quando a oportunidade aparecer você corresponder às expectativas. Respeito as decisões dos treinadores. A única coisa que procuro fazer é o meu trabalho, tanto no clube como na seleção.
AE – Como vê a briga pela vaga na lateral direita com o Danilo?
Daniel Alves – A seleção só tem a ganhar quando jogadores de qualidade disputam posição. Para mim, é um privilégio ter um companheiro como o Danilo, que é um grande jogador. O objetivo não é competir entre nós mesmos, mas sim contra os adversários. Ninguém vai para a seleção achando que é titular absoluto. Todo mundo vai para ajudar o grupo.
AE – O Brasil corre risco de ficar fora da Copa do Mundo de 2018?
Daniel Alves – Pela qualidade dos nossos jogadores e a força do nosso grupo não acredito que o ficaremos fora dessa Copa do Mundo nem das próximas. É com essa confiança e mentalidade que fazemos o nosso trabalho na seleção. Sabemos que vai ser difícil se classificar, mas costumo dizer que se a vida fosse fácil a gente não nascia chorando.