O ministro Celso de Mello, do Supremo Tribunal Federal, retirou do plenário virtual da Corte o julgamento sobre a possibilidade do presidente Jair Bolsonaro prestar um depoimento por escrito no inquérito que apura suposta interferência política do Planalto na Polícia Federal. O caso havia sido remetido para o colegiado virtual na semana passada pelo ministro Marco Aurélio Mello, que substituiu o decano durante licença médica encerrada na última quinta-feira, 24.
Celso de Mello também abriu prazo de cinco dias para o ex-ministro Sérgio Moro, também investigado no inquérito, se manifeste sobre o recurso da AGU para Bolsonaro depor por escrito. Após as manifestações do ex-juiz, Celso pedirá a inclusão do caso no plenário presencial do Supremo – que contará com transmissão ao vivo e videoconferência.
Após retornar à Corte, Celso de Mello revogou a decisão do colega apontando, "com máxima e respeitosa vênia", que Marco Aurélio não poderia ter pautado o julgamento enquanto ele estava ausente por não ser uma "situação configuradora de urgência".
"Vê-se, portanto, que o ilustre substituto regimental em questão, por revelar-se inocorrente qualquer hipótese que exigisse, na espécie, "deliberação sobre medida urgente", agiu, segundo penso, "ultra vires" – e aqui, novamente, peço respeitosa licença ao eminente ministro Marco Aurélio -, pois o ato que Sua Excelência praticou o foi sem que se registrasse, quanto a ele – cabe insistir -, situação de necessidade que justificasse a adoção de "deliberação sobre medida urgente", escreveu Celso de Mello.
O movimento havia sido antecipado pelo <b>Estadão</b> na última sexta, 25, quando o decano retomou os trabalhos no Supremo. Nos bastidores, a decisão de Marco Aurélio de pautar o julgamento antes de Celso voltar de licença médica foi considerada um "atropelo". O ministro também antecipou seu voto, defendendo uma oitiva por escrito, contrariando a decisão do decano, visto como uma "bússola" e "farol" entre colegas da Corte.
Em agosto, Celso determinou a Bolsonaro que comparecesse presencialmente para depor na PF, se baseando no entendimento de que o presidente é investigado no caso e não tem a prerrogativa de uma oitiva por escrito. A decisão foi amparada em diferentes precedentes da Corte. A AGU recorreu, alegando que Bolsonaro poderia depor por escrito, como fez o ex-presidente Michel Temer (MDB) em 2017.
Segundo o <b>Estadão</b> apurou, o decano está tranquilo e convicto dos fundamentos técnicos da sua decisão de 64 páginas e não quer deixar o STF com essa situação pendente. A percepção na Corte é a de que o decano tem mais chances de convencer os colegas em uma sessão transmitida ao vivo pela TV Justiça, com todos ouvindo seus argumentos.
No plenário virtual, por outro lado, os magistrados apenas depositariam seus votos no sistema, sem troca de ideias ou debates. A ferramenta, com seus julgamentos discretos, também reduziria os constrangimentos de ministros que eventualmente venham a discordar da opinião do decano para abraçar os argumentos da defesa de Bolsonaro.
<b>Aposentadoria</b>
O ministro antecipou sua saída da Corte para o próximo dia 13 de outubro, acelerando as discussões sobre seu possível substituto a ser indicado por Bolsonaro. O nome mais cotado para a vaga é o ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira. Uma articulação em defesa do ministro já está sendo organizada no Senado, que deverá sabatinar o nome escolhido pelo Planalto.
Outro nome que poderia ser escolhido é o do ministro da Justiça e Segurança Pública, André Mendonça, que foi apoiado nesta terça pela Associação Nacional de Juristas Evangélicos (Anajure). Além da carreira jurídica, Mendonça é pastor da Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília e Bolsonaro já havia defendido escolher um ministro "terrivelmente evangélico" para o Supremo.
A proximidade da aposentadoria do decano também reacendeu na Corte a discussão sobre quem deve assumir a relatoria do inquérito que investiga Bolsonaro por suposta interferência na PF. O regimento interno do STF prevê que, em caso de aposentadoria do relator, o processo é herdado pelo ministro que assume a vaga.
Dessa forma, o nome que vier a ser escolhido por Bolsonaro deve assumir o acervo de processos de Celso de Mello – o que abre margem para a insólita situação de um ministro indicado pelo chefe do Executivo assumir a relatoria de um inquérito que investiga o próprio presidente da República.
Até agora, integrantes do STF se dividem sobre o tema. "Ante a urgência de todo e qualquer inquérito, há de ser distribuído (a outro ministro). Não aceito simplesmente herdar", disse Marco Aurélio ao Estadão, ao defender um sorteio eletrônico para definir o novo relator, após a saída de Celso. "Sou substituto do ministro Celso de Mello, não pelo patronímico Mello, mas por antiguidade. E não aceito designação a dedo. Mas, como os tempos são estranhos, tudo é possível."
Segundo o <b>Estadão</b> apurou, a equipe de Fux avalia que essa tradicional regra deve ser mantida, mesmo em se tratando desse inquérito que atinge diretamente Bolsonaro.
"Seria muito ruim que o presidente estivesse na posição de nomear o ministro ou ministra que assumiria a relatoria de um inquérito contra ele. Se essa situação acontecer, espero que o Senado questione o indicado ou indicada sobre isso e, idealmente, perguntaria se ele ou ela se comprometeria em se declarar sua suspeição e pedir a redistribuição caso isso ocorresse", avaliou o professor Thomaz Pereira, da FGV Direito Rio. "Mas o melhor seria que o inquérito fosse redistribuído antes disso, para esse debate não dominar a conversa em torno da nomeação, ofuscando outros temas de grande importância."