Sindicatos ameaçaram levar a Fifa aos tribunais suíços, acusando a entidade de cumplicidade com violações aos direitos humanos no Catar, por causa das obras para a Copa do Mundo de 2022 e a forma pela qual os operários são tratados.
No início do ano, a reportagem do Estadão.com visitou algumas das obras e constatou a situação de semiescravidão que vivem muitos dos operários. No total, 1,7 milhão de estrangeiros trabalham no país do Oriente Médio.
O caso será levado aos tribunais pela Confederação de Sindicatos da Holanda, em nome de um trabalhador de Bangladesh, Nadim Sharaful Alam. Numa carta enviada à entidade, o sindicato deu três semanas à Fifa para que pague compensações. Caso contrário, o processo nos tribunais será iniciado.
Os dirigentes da entidade já indicaram que não tem a intenção de pagar a compensação. Em Zurique, o temor não se refere ao valor solicitado pelo operário – cerca de US$ 5 mil – pelos dois anos trabalhados no país. Mas a preocupação se refere ao precedente que o caso pode representar. Se vencer, o operário estaria criando jurisprudência e milhares de casos poderiam chegar aos tribunais.
Gianni Infantino, o novo presidente da Fifa, garantiu que não existe plano de retirar a Copa do Catar, enquanto sua entidade insiste que o organismo máximo do futebol não pode ser responsabilizado por como um país lida com seus operários.
Mas, para os advogados, a Fifa tinha a obrigação de exigir garantias de respeito aos direitos trabalhistas pelos organizadores do Mundial. Um dos problemas seria o sistema kafala – lei que exige que o trabalhador obtenha um visto de saída do país.
Para os advogados do caso, existem duas responsabilidades da Fifa. “Quando ela deu a oportunidade para que o Catar participasse do processo de candidatura para a Copa de 2022 e, em sequência, sua escolha. E quando fracassou em assumir sua responsabilidade diante do destino de operários migrantes ao não demandar do Catar a reforma em seu sistema trabalhista”, indicou a carta enviada pelo sindicato à Fifa.
O Estadão.com visitou, sob anonimato, alguns dos canteiros de obras em Doha e conversou com operários, todos estrangeiros, da Ásia ou África. Poucos tinham consigo seus passaportes, confiscados pelos empregadores para os impedir qualquer fuga, organizar um protesto ou até mesmo mudar de emprego.
As regras impedem a liberdade de associação e esses operários não podem ter carteira de motorista ou conseguir empréstimos em um banco. Quem decidir trabalhar para outra empresa pode ser punido com uma pena de três anos de prisão ou pagar US$ 13 mil, uma fortuna para esses operários.
Oficialmente, trabalhadores que sejam recrutados em seus países de origem para atuar no Catar não devem pagar qualquer tipo de taxa. Mas muitos do Nepal confirmaram ao Estadão.com que é “comum” que várias das 760 agências de recrutamento em Katmandu cobrem um valor pelo “trabalho administrativo”.
Para deixar o Nepal, o operário pode pagar até US$ 600 em comissões para a agência, além de seguro do voo. Ao desembarcar em Doha, porém, descobre que o salário irá variar de US$ 220 a US$ 460 por mês e as dívidas se acumulam desde o primeiro dia. A água nos alojamentos, por exemplo, é limitada e qualquer pedido extra é cobrado. Nesses locais, afastados da população, existe apenas um armazém que vende comida, controlado pela mesma empresa que fornece os trabalhadores para as construtora.