Esportes

Escolinha de técnico do Corinthians no interior paulista faz garotos sonharem

Entre um chute e outro na bola, a pergunta se repete: “Quando Carille vai me levar para o Corinthians?” Ela é feita por garotos entre 4 e 16 anos ou por seus pais, que sonham ver o herdeiro com a camisa alvinegra ou até em rivais, desde que conte com a ajuda de um ilustre dono de escolinha de futebol: o técnico corintiano Fábio Carille.

Em Sertãozinho, cidade que fica a 350 quilômetros de distância de São Paulo, uma escolinha de futebol chama a atenção por ter como proprietário o técnico recém-promovido ao time principal do Corinthians, que, antes mesmo de assumir o posto, viu no local uma opção de negócio e de ajuda a crianças da região, assim como a possibilidade de descobrir e garimpar talentos para o futebol brasileiro.

Para manter o negócio, Carille gasta, em média, R$ 18 mil mensais. Desde que ele foi confirmado com treinador do Corinthians, a procura dos garotos aumentou. Em menos de um mês, mais de 20 novos alunos se matricularam. Embora a ideia principal não seja revelar jogadores, mas sim oferecer outra opção de entretenimento para as crianças da cidade, é inevitável que os jovens acabem sonhando em ter uma primeira oportunidade no Corinthians.

“Não visamos que ali tenham grandes jogadores. Claro que alguns meninos se destacam e acabam sendo puxados, mas somos só uma escolinha de futebol. Há meninos que vão embora, para clubes, mas não por nossa conta”, garante Carille, em entrevista exclusiva ao jornal O Estado de S. Paulo.

De fato, a escolinha foi criada em abril de 2015 e até hoje levou apenas um reforço para o Corinthians, que acabou sendo reprovado. Porém, existem três meninos que são monitorados por outros times, inclusive rivais.

“Tem um garoto de dez anos que a cada três meses passa uma semana no São Paulo e tem outro ainda que vai para o Fluminense. Semana passada, um outro foi aprovado na peneira do Palmeiras”, contou Guilherme França, cunhado de Carille, e gerente da escolinha.

Os meninos pagam R$ 75 por mês para participar de três treinos semanais, sendo dois no meio da semana e um aos sábados – todos em grama sintética. Há categorias do sub-5 ao sub-16. Cerca de 30 atletas ganham bolsa e podem jogar gratuitamente ou pagando preços mais acessíveis. Além disso, adultos também podem treinar, em horários e datas específicas.

A atenção com as crianças carentes de Sertãozinho é uma das prioridades de Carille, que tem um projeto mais ambicioso em andamento. “Estamos acelerando um projeto social para tirar esses jovens das ruas e dar uma oportunidade para eles utilizarem o futebol como válvula de escape”, conta o treinador.

Outro ponto que faz os professores terem muito cuidado no trabalho é com a forma de lidar com os garotos, que se deslumbram por estarem na escolinha do técnico corintiano, mas que muitas vezes não têm potencial para seguir a carreira. “A gente tem a preocupação de revelar homens porque a gente sabe que muitos garotos não vão seguir adiante na profissão. Mas precisamos ensinar que a vida não é só futebol”, disse Carlos Eduardo Rodrigues, um dos três professores do local.

Companheiro de Fábio Carille nos gramados, o ex-lateral-direito Ceará também faz parte do negócio. Ele comanda os meninos e pontua que existe sempre a preocupação com o comportamento deles de forma geral. “Algumas vezes, os pais pedem ajuda para conversar com eles, pois estão dando trabalho em casa ou na escola. É uma fase complicada da criança, porque só querem brincar, mas às vezes, é preciso ter controle”, diz o professor, que passou por clubes de pequeno e médio portes e encerrou a carreira com apenas 31 anos, por causa de uma lesão séria na coxa.

Aulas de tática precoce. Por causa dos novos compromissos, Carille tem aparecido pouco na escolinha, mas sempre que conversa com os professores, deixa claro que gostaria de ver suas ideias do futebol em prática. Fã e pupilo do técnico Tite, da seleção, ele tenta ensinar e passar sua experiência.

“A gente acaba tendo pouco contato, mas trocamos ideias sobre futebol e ele tenta nos fazer entender suas concepções de tática”, disse Ceará, ponderando que a ideia primordial é ensinar os fundamentos para os meninos. “Mas é claro que a gente também trabalha tática”, completou.

No local onde funciona a escolinha, existia apenas uma quadra de futebol soçaite que era alugada para “peladas” entre amigos. Em dezembro de 2014, Carille fez uma parceria com um clube chamado Samambaia, que fica ao lado do terreno onde estão as quadras, assumiu a administração e inaugurou a escolinha em abril de 2015. Ele reformou a quadra e criou uma outra coberta, para ser utilizada em dias de chuva ou de muito sol, algo comum na cidade.

BOAS AÇÕES SEM ALARDE – Fábio Carille se formou como mecânico industrial, mas o sonho de viver do futebol falou mais alto e, ainda jovem, conseguiu realizá-lo. Defendeu o próprio Corinthians. O caminho para continuar no esporte e se tornar técnico foi natural após se aposentar em 2007. Apesar dos percalços da carreira, ele sempre demonstrou uma preocupação com o ser humano.

Em Sertãozinho, interior de São Paulo, para onde Carille se mudou ainda pequeno após nascer em São Paulo, o treinador é o centro das atenções na cidade e retribui da melhor forma possível. A reportagem do Estado esteve na cidade e ouviu diversas histórias sobre as boas ações do técnico, como doação de próteses e sonda para crianças, aparelho de surdez para uma vizinha, além de dezenas de camisas para serem leiloadas, entre outras atitudes caridosas. Tudo sem fazer estardalhaço.

“Ele não gosta de falar disso. Tem coisa que ele faz que a gente nem sabe”, conta a mãe do técnico, Vanda. Sereno, Carille só se altera com atrasos. “Ele é do bem, mas quando eu me atraso ele não é tão do bem”, brinca Fabiana, uma das irmãs do técnico do Corinthians.

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