O mato racha estruturas de cimento, salas inteiras estão destruídas por vandalismo, há arquibancadas destroçadas e piscinas com lodo e lixo. São monumentos de um passado glorioso de um evento que durou 17 dias. Hoje, treze anos depois, uma parte das instalações esportivas dos Jogos Olímpicos de Atenas, realizados e, 2004, está dilapidada. Em crise desde 2009, o governo grego deixou de cuidar dos locais que foram considerados como obras do orgulho de um país que voltava a sediar uma Olimpíada, berço da civilização e cenário do esporte.
Esses locais viraram sinônimos das disputas políticas e de autoridades que não planejaram o que aconteceria depois que o Comitê Olímpico Internacional (COI) abandonasse a cidade. Atenas hoje pode ser o reflexo do Rio de Janeiro amanhã.
No total, os gregos gastaram quase 9 bilhões de euros (R$ 29 bilhões) para realizar os Jogos. Mais de uma década depois, o estádio olímpico continua sendo usado para partidas de futebol, uma parte das piscinas está ativa e o centro de imprensa se transformou em shopping center. A população continua a se beneficiar de avenidas e trens projetados para o evento. Mas uma parte significativa das instalações está totalmente abandonada e é ironicamente chamado pela população local como “as ruínas modernas da Grécia”.
O Estado esteve em Atenas na semana passada e conferiu o abandono das instalações olímpicas de 2004. Dos 32 locais de provas, 18 foram construídos especialmente para a Olimpíada, enquanto outras 12 foram renovadas. Atenas ergueu apenas duas instalações temporárias. Oficialmente, os responsáveis alegam que a Grécia queria se transformar em um polo de eventos internacionais, o que jamais ocorreu. “Esse plano não trouxe os resultados esperados”, indicou estudo publicado pela Fundação para a Pesquisa Econômica e Industrial, em Atenas.
Após os Jogos, muitas das instalações olímpicas não encontraram compradores, enquanto outras passaram a ser usadas para casamentos e festinhas. Os projetos de repasses jamais saíram do papel. Um exemplo é o Complexo Helliniko, com seis diferentes instalações, como softbol, canoagem e hóquei sobre grama. Todas estão abandonadas.
Outro retrato de um legado fracassado é parte da Vila dos Atletas. O local tem casas populares. Mas, em sua entrada, o conjunto de prédios que servia de centro de credenciamento e gerenciamento do local está abandonado e todo destruído.
Oficialmente, autoridades garantem que vigias fazem a segurança durante o dia. Mas quando a reportagem esteve no prédio, não encontrou ninguém. Um casal de adolescentes, que namorava atrás de um dos muros, contou que à noite são os grupos criminosos que usam as instalações para a venda de drogas. Isso depois que outras gangues saquearam tudo o que podiam por lá, incluindo máquinas de ar condicionado, tubos, equipamento elétrico, pias de banheiro e até peças de elevadores. Pelo chão, há cabos soltos, preservativos e cacos de vidro. No teto, algumas placas se soltam.
Não longe dali, antiga piscina dos atletas na Vila também está cheia de lixo. Um morador confirmou à reportagem que há anos não aparece ninguém para limpar a instalação que acumula lodo e doenças. Mesmo no centro aquático onde Michael Phelps começou a conquistar suas medalhas olímpicas, os sinais do abandono são visíveis. Nas arquibancadas do complexo, centenas de assentos foram arrancados. As mesas que eram usadas pela imprensa apodrecem e o logo oficial “Athens 2004” some com o desbotar da tinta.
Atualmente, apenas algumas piscinas são usadas. Outras, fechadas, tinham sido exigidas pelo COI. Enquanto garotos treinam em locais apropriados, uma delas se transformou em depósito de lixo. Com a chuva, esse material pintou o chão de verde musgo. Para resolver o problema, as autoridades colocaram grades para que ninguém mais usasse o local como depósito. O lixo está lá.
Do outro lado da cidade, à beira de um mar cinematográfico, estão as ruínas do estádio criado para as provas do vôlei de praia. Ali, brasileiros chegaram a se consagrar campeões.
Oficialmente, a área está fechada e uma grade de arame farpado “protege” suas ruínas. Dentro, o cenário é de abandono, que em nada lembra a festa das partidas da modalidade. Mesmo a areia passou a ser disputada pelo mato, que ganha terreno.
O colapso da infraestrutura atingiu até mesmo cenários que hoje continuam com vida. Em julho de 2013, por exemplo, o então vice-ministro de Cultura da Grécia, Giannis Andrianos, enviou carta ao Parlamento implorando por recursos para bancar a manutenção do teto do estádio olímpico, desenhado pelo arquiteto Santiago Calatrava. Segundo o documento, o teto poderia cair. Quatro anos depois, funcionários do local admitiram ao Estado, na condição de anonimato, que o risco de um desabamento continua.
“Isso ilustra o estado trágico das propriedades olímpicas”, indicou em outro estudo o pesquisador Panagiota Papanikolaou, da International Hellenic University. “Demonstra ainda a falta de planejamento estratégico e de visão”, disse. Para ele, Atenas terá sérios problemas para superar a imagem de cidade olímpica dos elefantes brancos.
Se muitos atenienses insistem em culpar os Jogos pela crise econômica, balanços financeiros do evento e de contas do Estado obtidos pela reportagem, deixam claro que não se pode atribuir o colapso do país ao torneio. Ainda assim, as autoridades se recusam a comentar o abandono atual das instalações.
Procurado pelo Estado, o Comitê Olímpico Helênico preferiu o silêncio. Indicou que a gestão dos locais usados para os Jogos não era de sua responsabilidade. A situação afetou o rendimentos de algumas modalidades. Em seus Jogos, os gregos tiveram 16 medalhas. Em 2016, no Rio, foram apenas seis, contra duas em Londres.
Também na condição de anonimato, diretores do Comitê Organizador dos Jogos relatam que a culpa pelo abandono não é das entidades esportivas, mas dos governos, que não quiseram se manifestar. O COI diz ter aprendido com a lição. A pedido do Estado, dez gregos opinaram sobre o legado de Atenas. Nove deles disseram que não valeu a pena. Às vésperas dos Jogos, 60% dos gregos eram favoráveis à Olimpíada.