O número oficial de mortos em alegados confrontos com policiais no Estado do Rio, que estava em queda nos últimos cinco anos, voltou a subir no primeiro semestre de 2014. Foram 285 homicídios decorrentes de intervenção policial, alta de 42,5% em relação ao mesmo período de 2013, quando houve registro de 200 casos. O número de policiais civis e militares mortos em serviço subiu de seis para 10, também na comparação dos meses de janeiro a junho dos dois anos.
É a primeira vez desde o início do projeto das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), em dezembro de 2008, que há aumento no semestre dos chamados “autos de resistência”. Os dados foram levantados no Diário Oficial do Estado e em relatórios do Instituto de Segurança Pública (ISP).
De acordo com a série histórica disponível, o ápice dos autos foi registrado em 2007 e 2008, no começo da gestão Sérgio Cabral (PMDB), que na época defendia a “política de enfrentamento”. Após a instalação da primeira UPP no morro Santa Marta, em Botafogo, zona sul, os registros começaram a cair.
Foram 561 no primeiro semestre de 2009, contra 757 no mesmo período de 2008, antes das UPPs. O número de autos de resistência acumulado de janeiro a junho caiu sucessivamente para 505 em 2010, 372 em 2011, 214 em 2012 e 200 em 2013. A alta registrada em 2014 ocorreu em todas as regiões do Estado e da capital, inclusive na zona sul.
Coordenador do Laboratório de Análise da Violência na Universidade do Estado (UERJ), o sociólogo Ignacio Cano avalia que a queda dos autos ocorrida nos últimos anos foi “instrumental” para a redução do índice de homicídios verificada no Estado de 2010 a 2012. Para ele, a atual reversão representa o “prelúdio de um novo aumento” dos homicídios gerais no Estado. “O cenário atual é extremamente preocupante, com execuções sumárias travestidas de confronto policial. A ideologia do extermínio continua presente. Podemos continuar regredindo e voltar à situação de 2007”, disse.
O sociólogo cita casos recentes que tiveram grande repercussão, como o de Mateus Alves dos Santos, de 14 anos, capturado por dois cabos da PM e executado no alto do morro do Sumaré, em 11 de junho, segundo investigação da Delegacia de Homicídios. O crime foi relatado por outro adolescente também capturado e baleado nas costas pelos PMs, que fingiu estar morto para sobreviver.
“Um dos grandes avanços dos últimos anos foi a redução do número de mortes decorrentes de intervenções policiais. A política tradicional de confronto armado, em vez de reduzir, exacerba a violência. Uma polícia mais contida acaba reduzindo a violência de maneira geral”, diz Cano, responsável por pesquisa que, em 2012, avaliou o impacto das 13 primeiras UPPs na redução dos autos de resistência.
Reação
Procurado pela reportagem, o secretário de Segurança, José Mariano Beltrame, não deu entrevista, mas a secretaria divulgou nota em que atribui o aumento dos autos a uma “tentativa de traficantes de retomar territórios e desestabilizar o programa de pacificação deste governo”.