A Comissão de Anistia do Ministério da Justiça julga hoje pedidos de reparação de 16 índios suruís que reclamam ter sofrido violações de direitos humanos por parte das Forças Armadas durante combates à guerrilha do Araguaia, nos anos 1970. Eles alegam ter sido atingidos pela intervenção dos militares em sua aldeia, localizada em uma região de castanhais, entre São Domingos e São Geraldo do Araguaia, no sudeste paraense, epicentro da repressão da ditadura. Testemunhos recolhidos pela comissão acusam que as tropas cometeram maus-tratos e alteraram a rotina da comunidade.
Os processos de reparação dos suruís motivam debate na área de direitos humanos. A ativista Diva Santana, que investiga, há 34 anos, crimes de guerra cometidos por militares contra guerrilheiros e a população sertaneja, questiona os pedidos de reparação. “Viajo para o Araguaia desde 1980, não conheço índio perseguido e assassinado por militares”, afirma. Diva ressalta que ações e obras dos governos da ditadura causaram impacto nas aldeias da Amazônia. Ela avalia, porém, que a terra indígena Aikewara, onde vivem os suruís, não foi “penalizada” como outros grupos do Araguaia. “Sempre tive muito respeito pela Comissão de Anistia, que faz um trabalho sério, mas no julgamento desse caso dos suruís os critérios precisam ser esclarecidos.”
Paulo Abrão, presidente da Comissão de Anistia, adianta que cada caso será julgado individualmente. Ele ressalta que os testemunhos orais são a base fundamental dos processos que entrarão na pauta. Os testemunhos serão divulgados durante o julgamento. “Nesses processos dos indígenas, as instruções e os meios comprobatórios são os mesmos dos casos dos camponeses, com o acréscimo dos relatórios dos antropólogos”, afirma. Abrão destaca que a Lei de Anistia prevê indenizações não apenas para casos clássicos de tortura e prisão, mas para pessoas atingidas por “atos de exceção”.
Os integrantes da comissão vão avaliar se a presença militar na aldeia dos suruís, os deslocamentos de tropas, os sobrevoos de helicópteros, a alteração na rotina da comunidade, os impedimentos de caça e pesca e o uso de índios na função de guias podem, por exemplo, ser caracterizados como “atos de exceção”. “A Lei de Anistia não leva em conta, unicamente, a materialização da tortura e da prisão”, afirma Abrão. Ele diz que o caso dos índios é uma situação diferente, que não pode ser comparada unicamente com a dos camponeses.
O presidente da Comissão de Anistia diz que é impossível prever o resultado dos julgamentos, mas avalia que o grupo estará atento para casos de índios que atuaram em equipes de perseguição. A comissão indefere pedidos dos chamados “bate-paus”, moradores que ajudaram militares a combater outros camponeses e guerrilheiros. Ele ressaltou ainda que, no caso dos suruís, foram respeitados os critérios de entrada dos pedidos na pauta de julgamento, como a numeração do processo, a idade e eventuais doenças graves dos que solicitam a reparação.
Até agora, a comissão indenizou 44 camponeses do Araguaia. Outros 300 casos estão em tramitação. O do agricultor Josias Gonçalves, o Jonas, que integrou a frente guerrilheira, é um deles. Ele fez trabalhos forçados em bases militares e, hoje, enfrenta dificuldades de se alimentar.
A lista inclui também a ex-professora Edna Rodrigues de Souza. Confundida com a guerrilheira Dinalva Teixeira, a Dina, ela foi presa e torturada diante dos vizinhos. Violentada, saiu da prisão grávida e sem o emprego. Outro que está na relação é o barqueiro Antonio Viana, o Zezinho. A mãe dele, Maria Viana, sofreu infarto fulminante após o sequestro de um dos filhos, Geovane, que nunca foi encontrado. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.