A crise hídrica em São Paulo e a ameaça de desabastecimento de mais de 14 milhões de pessoas na capital e no interior do Estado é uma junção de problemas conjuntural e estrutural, na avaliação do doutor em planejamento urbano e professor da Universidade Federal da São Carlos (Ufscar) Marcelo Vargas. Segundo ele, o problema conjuntural foi a forte estiagem na Região Sudeste no início de 2014 e a consequente redução do nível do reservatório do Sistema Cantareira a partir de um período do verão que deveria ser marcado pelas chuvas constantes. “Não há dúvidas que o processo de aquecimento global e as mudanças climáticas trouxeram exemplos extremos como a estiagem deste ano, a pior para o Sistema Cantareira desde 1930”, disse. “Mas a crise não é meramente conjuntural”, ponderou Vargas.
Segundo ele, o problema estrutural começa com o fato de a Região Metropolitana de São Paulo, a primeira abastecida pelo Sistema Cantareira, ser uma metrópole “grande e mal localizada”, onde quase 20 milhões de pessoas têm acesso a pouca água, o que leva a Sabesp – empresa responsável pelo abastecimento – a importar metade do líquido de outras regiões. O Sistema Cantareira abastece, além da Região Metropolitana de São Paulo, municípios da bacia dos Rios Piracicaba, Capivari e Jundiaí (PCJ).
O professor da Ufscar lembra que a primeira outorga do sistema à Sabesp, por 30 anos, foi em 1974 e que na renovação, em 2004, por mais 10 anos, a concessionária foi cobrada por um melhor planejamento e o governo estadual alertado que seriam necessários novos sistemas e diminuir a dependência de São Paulo do Cantareira. “Isso não foi feito, tanto que o único sistema produtor que ela (Sabesp) investe é o São Lourenço, buscando água no Vale do Ribeira. Esse aproveitamento está atrasado, pois deve ficar pronto em 2018, quando deveria ser entregue em 2016”, disse.
Outra questão estrutural, segundo Vargas, é a falta de coordenação do uso da água para outros fins, como para a indústria, justamente em um sistema que abastece duas das maiores regiões industriais do Brasil: a de São Paulo e a de Campinas. “Além disso, estamos vivendo momento de conflito e, como temos um sistema federativo de governo, a união não pode impor uma decisão”, afirmou.
Vargas comentou ainda o alerta do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), revelado pelo Broadcast, cobrando uma “mudança de paradigma no planejamento” da operação do Sistema Interligado Nacional (SIN) para garantir que o sistema brasileiro volte a ter condições de suportar períodos de estiagem. “Há uma mudança mundial na maneira de pensar na gestão da água. O uso prioritário é o abastecimento urbano de pessoas, mas é preciso assegurar os usos múltiplos da água e garantir a produção de energia elétrica e navegação, por exemplo”, concluiu.