Uma investigação científica sobre a quantidade de chuva que caiu na Amazônia nos últimos 45 mil anos mostra que mesmo a porção que se acredita ser a mais propensa à savanização – o leste da região – nunca chegou realmente a secar nem durante o período mais seco da última era do gelo, entre 24 mil e 18 mil anos atrás.
A pesquisa, destacada na capa da revista Nature desta semana, sugere que a floresta pode igualmente ser resiliente a um futuro de aquecimento global. Mas isso só será possível se outras interferências humanas ao microclima, como desmatamento, queimadas e expansão da agricultura, sejam contidas, uma vez que elas têm o poder de reduzir a umidade do ar.
O estudo feito por pesquisadores de Cingapura, Brasil, China e Estados Unidos analisou dados geoquímicos de oxigênio na caverna Paraíso, no Pará, uma das poucas da região que tem estruturas como estalactites e estalagmites (formações que descem a partir do teto ou sobem a partir do chão), de onde é possível retirar amostras para análise.
Os pesquisadores, liderados por Xianfeng Wang, do Observatório da Terra de Cingapura, trabalharam com isótopos de oxigênio (variantes do elemento químico com diferentes massas), que são sensíveis à variação climática, e compararam com dados do oeste da Amazônia, de clima mais estável.
Assim, foi possível fazer uma viagem no tempo e mapear quanto choveu em diferentes períodos. Já havia uma suspeita de que a última era do gelo poderia ter sido seca, mas a dúvida era quanto e se havia sido o suficiente para promover uma savanização da floresta – um dos temores que existe em relação ao aquecimento global.
Há cerca de 21 mil anos, com a temperatura 5°C inferior, a precipitação era de 58% dos níveis atuais e no período de aquecimento que se seguiu, no meio do Holoceno (há 6 mil anos), foi para 142% sobre hoje.
O trabalho indica “que a Bacia Amazônica nunca foi seca o suficiente na era do gelo nem em qualquer outro momento nos últimos 45 mil anos a floresta se transformou em uma savana”. Segundo os autores, a floresta persistiu mesmo quando a quantidade de chuva era de apenas cerca de 60% da atual.
“Se nosso padrão observado das mudanças no hidroclima da Amazônia puder ser extrapolado para um futuro de aquecimento induzido pelo CO2, poderia se esperar que as chuvas nas terras baixas da Amazônia cresçam substancialmente”, escrevem. “Ironicamente, no entanto, desmatamento continuado em expansão da agricultura na bacia, particularmente na região leste, assim como uma intensificação do El Niño, pode reduzir o ciclo de água por meio da transpiração das plantas.”
O estudo foi acompanhado de um artigo de opinião do pesquisador Mark Bush, do Instituto de Tecnologia da Flórida, um dos principais críticos da ideia de savanização, que viu um sinal de resiliência. “Os dados trazem esperança de que a Floresta Amazônica será resiliente num mundo livre de fogo, mesmo se comunidades de espécies não forem”, escreve. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.