A democracia enfrenta "desafios importantes" em diversos países europeus, concluiu um relatório da União Europeia divulgado nessa quarta-feira, 30.
O documento, que chama atenção especialmente para a Polônia e a Hungria, dois países governados por nacionalistas de direita, é uma resposta a temores sobre o fortalecimento de tendências autoritárias no continente, e aponta riscos ao Judiciário nos dois Estados.
O lançamento do relatório, o primeiro deste tipo, coincidiu com a aprovação inicial de um compromisso que condiciona o repasse de recursos da UE ao cumprimento do Estado de Direito, medida que não teve o apoio dos governos húngaro ou polonês.
Ela não só acompanha discussões sobre o orçamento do bloco para o período entre 2021-2027, como também a negociação dos detalhes do fundo de reconstrução pós-pandemia de 750 bilhões (R$ 4,57 trilhões), – dois dos principais assuntos da cúpula europeia que começa na quinta-feira.
O documento menciona preocupações sobre a situação em diversas partes do continente, mas são Varsóvia e Budapeste que roubam, mais uma vez, os holofotes. Desde que Viktor Orbán chegou ao poder na Hungria, há 10 anos, "a direção das mudanças deu à luz a graves preocupações" sobre a independência judicial, diz o texto.
Aliado do presidente Jair Bolsonaro, o primeiro-ministro impôs controles sobre os tribunais, tenta silenciar a oposição e usa o dinheiro público para favorecer veículos midiáticos pró-governo, ressalta o documento.
Já na Polônia, desde 2015, as reformas implementadas pelo governista Lei e Justiça (PiS) geram preocupações sobre o respeito às liberdades de expressão, da imprensa e do Judiciário, por exemplo:
"A dupla função de ministro da Justiça e procurador-geral levanta preocupações particulares", diz um trecho do relatório, afirmando que isso facilita a politização dos processos. "Ações do governo que miram grupos LGBT, incluindo a prisão e a detenção de alguns de seus representantes e campanhas de difamação levantaram mais preocupações", diz outro trecho.
<b>Polônia e Hungria criticam</b>
Ambos os governos já foram alvos de processos para perderem seus direitos a voto. Para que isso se concretize, no entanto, será necessário unanimidade entre os outros 26 Estados-membros, o que não ocorre porque Budapeste e Varsóvia se protegem mutuamente.
"A União Europeia foi criada como um antídoto para tendências autoritárias", disse a responsável pela fiscalização da democracia no bloco, Vera Jourova.
O relatório é, em parte, uma resposta às críticas húngaras e polonesas de que estariam sendo injustamente alvo. Todos os países europeus foram alvos da auditoria, que avaliou quatro pilares: sistemas de Justiça, marcos anticorrupção, liberdade de imprensa e outros controles.
Croácia, República Tcheca, Malta, Bulgária e Eslováquia foram criticadas por escândalos de corrupção, por exemplo. Estas duas últimas nações, ao lado da Romênia e da Croácia, também foram advertidas por não garantirem a total independência de seus Judiciários.
A Hungria rapidamente emitiu um relatório repudiando o documento, chamando-o de "falacioso", "absurdo" e "sem fundamento" metodológico.
Anteriormente, já havia dito que fundaria, junto com a Polônia, seu próprio instituto para avaliar o cumprimento do Estado de Direito, pois considera o bloco parcial.
Um dia antes, Orbán havia pedido a demissão de Jourova, acusando-a de realizar um "ataque político direto contra seu país".
A demanda, ignorada pela UE, era uma resposta a um comentário feito pela representante do Executivo europeu: à revista Spiegel, ela havia dito que o premiê "tem orgulho de dizer que está estabelecendo uma democracia iliberal", mas que, a seu ver, tratava-se mais de uma "democracia enferma".
Respondendo ao premiê nesta quarta, Jo urovadisse que nunca ofendeu o povo húngaro, mas que respeitá-lo não é sinônimo de ficar em silêncio sobre as ações de seu governo.
<b>Orçamento em xeque</b>
Agora, o bloco tenta vincular a liberação de fundos ao respeito ao Estado de Direito, esperando que a pressão financeira surta efeito em Varsóvia e Budapeste.
O objetivo é que a medida, capitaneada pela Alemanha, já valha tanto para o orçamento dos próximos anos quanto para o pacote de ajuda firmado há dois meses.
O texto, que ainda deverá passar pelo crivo do Conselho Europeu, prevê a redução e até a suspensão dos repasses caso as violações aos princípios do Estado de Direito em um determinado país "afetem (…) a boa gestão financeira ou a proteção dos interesses financeiros" da UE.
As desavenças ao seu redor, no entanto, ficaram claras já na fase preliminar, com Hungria e Polônia votando contra. Outros cinco países – Finlândia, Holanda, Dinamarca, Suécia e Bélgica – também se opuseram, mas por outro motivo. Eles consideram a proposta apresentada pela Alemanha muito mais branda que o rascunho original. Áustria e Luxemburgo se abstiveram.
A ministra da Justiça húngara, Judit Varga, chamou a medida de "chantagem". Em represália, Budapeste e Varsóvia ameaçam vetar uma autorização para que o bloco assuma dívidas para financiar o plano de recuperação, cuja aprovação demanda unanimidade entre os 27 Estados.
Uma reforma no Gabinete polonês, anunciada nesta quarta, deve jogar o governo ainda mais à direita, levantando a possibilidade de novos atritos com a UE. A reformulação, que levou o chefe e líder histórico do PiS, Jaroslaw Kaczynski, a assumir o posto de vice-premiê inclui a designação de Przemyslaw Czarnek como ministro da Educação.
Czarnek, um professor de 43 anos de uma universidade católica, já deu declarações como não considerar homossexuais "iguais às pessoas normais". Para Czarnek, escolas deveriam proteger as crianças de uma "ideologia LGBT". (COM AGÊNCIAS INTERNACIONAIS)