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Grupos virtuais viram arma contra violência no Rio

Faz um mês: morador de Ipanema, José Luiz Areas Netto, de 62 anos, passava pela Barão da Torre, uma das principais ruas do bairro da zona sul do Rio, por volta de meio-dia, quando presenciou uma tentativa de roubo de carro seguida de tiros. Ninguém se feriu, mas o susto foi grande.

Antes, já havia se apavorado com o assalto ao filho, de 16 anos, perto dali, por 11 garotos menores do que ele, que o abordaram na saída da escola. Areas Netto, funcionário da Receita Federal, decidiu agir em nome de sua segurança e de seus vizinhos. Sentou-se ao computador e criou no Facebook um grupo para compartilhamento de informações sobre crimes de rua. Em uma semana, já havia mil integrantes. Hoje, são 4.400, incluindo policiais militares que trabalham na região e que ali se inteiram das demandas e ocorrências.

“Se a gente para de pressionar, as coisas não vão se resolver. Nunca tive medo de nada, mas hoje vejo um descontrole total. Já melhorou, a polícia fez uma limpa nas ruas”, disse Areas Netto.

Grupos de autodefesa comunitária foram criados no Facebook por moradores de diversas regiões do Rio nos últimos meses. Os referentes a bairros da zona sul, como Ipanema, Copacabana, Botafogo e Laranjeiras, são os maiores: somam cerca de 20 mil participantes. Os usuários, em sua maioria, têm a sensação de que os crimes foram reduzidos – não há estatísticas oficiais.

Foco

As postagens mais frequentes são relatos de assaltos e furtos, alertas sobre suspeitos e indicação de sua localização nas ruas, reclamações sobre vias escuras e mal policiadas e notícias sobre crimes, acompanhadas de desabafos. O foco está nos roubos a transeuntes e de carros e “saidinhas” de banco, mas também há reclamações sobre a presença de população de rua, menores abandonados e usuários de drogas.

É comum a descrição de criminosos em potencial em bicicletas, “negros”, “descalços” e “sem blusa”. Os mais exaltados puxam discussões defendendo a redução da maioridade penal e até a pena de morte para assaltantes. Outros compartilham fotos de pessoas que avistaram nas ruas e que acreditam ser ladrões. Há também quem incentive o uso de instrumentos de defesa pessoal de venda liberada, como bastões retráteis, armas de choque e sprays de gengibre, que nublam a visão.

“Defendam-se, não morram como covardes na frente de seus filhos e familiares. Não tenham medo, os vagabundos só chegam perto dos que têm medo. Chega de entregar tudo o que é seu quando escutar um gritinho de um passa-fome fdp. Se tiver que morrer, que seja lutando, do jeito que está não dá pra ficar”, dizia postagem da semana passada, apagada por ser considerada inadequada.

“As pessoas estão sem saber o que fazer, ficam trancadas em casa, têm de se proteger mesmo. Se saio com minha mãe, de 78 anos, levo o bastão retrátil no bolso para defendê-la dos vagabundos. A polícia demora para chegar”, disse o corretor de imóveis Micael Bossa, de 52 anos, de Copacabana.

Armas

Sócio de uma loja no centro especializada em materiais militares, Paulo Vieira, de 51 anos, conta que aumentou em 50% a venda nos últimos dois meses, ainda que custem caro: o bastão vale, em média, R$ 100; o spray, R$ 95; os tasers, que dão choque, vêm “disfarçados” em formato de batom, maço de cigarro, isqueiro ou lanterna e podem liberar descargas de 20 mil volts, R$ 155.

Todos cabem numa mochila ou bolsa feminina. “A procura aumentou desde que começaram as notícias dos assaltos com facas. O que mais sai é o spray”, conta Vieira, ele próprio dono de um arsenal. “Felizmente, nunca precisei. Mas, se tiver de usar, vou usar. A lei privilegia o bandido. O cidadão tinha de ter o direito de andar com arma de fogo.”

Discursos inflamados costumam ser rechaçados pelos moderadores dos grupos. Eles também apagam fotos de supostos assaltantes – preferem deixar só as que são passadas pela polícia, de pessoas já presas.

A fisioterapeuta Isabel Costa, de 40 anos, administra o grupo “Relato de assaltos em Laranjeiras, Flamengo e proximidades”, que reuniu 12.600 membros em dois meses e meio. Três colaboradoras monitoram postagens. “As pessoas têm de se responsabilizar pelo que escrevem. Não é nosso objetivo fazer justiça com as próprias mãos. Apagamos comentários racistas e preconceituosos. Quando me vi com medo de ir com o filho de 7 anos ao clube a pé, de pegar táxi para um percurso de menos de um quilômetro, vi que precisava agir.”

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