Após mais de oito horas de voo de Luanda para São Paulo, Isabela Lufaunqenda cruzou o Atlântico na barriga da mãe, angolana, em 1º de abril e nasceu brasileira uma semana depois. Hoje Isabela já engrossa o grupo de aproximadamente 600 mulheres de Angola que desembarcaram na capital só em três meses. Essas mães chegam normalmente com pelo menos dois filhos e poucas vêm com o marido.
Segundo o Comitê Nacional Para os Refugiados (Conare), o número de pedidos de refúgio de angolanos no Brasil está em alta: 630 até a segunda-feira, 18, (mais de 6 por dia), ante 1.100 em todo ano passado. Em 2014, pediram refúgio 189. O boom teve auge em fevereiro, na véspera do carnaval, quando um grupo de 50 angolanas com filhos chegou em um dia à capital. A demanda não era esperada pela Prefeitura e forçou a administração a abrir dois abrigos emergenciais, que já acolhem 266 mães e crianças. Outros 19 centros de acolhida regulares também acomodam famílias angolanas recém-chegadas.
Vinte e sete mulheres já chegaram gestantes e há casos de mães com oito filhos. Alegando principalmente perseguição política e religiosa, elas escolheram o Brasil para recomeçar a vida e chegaram para ficar. Outra hipótese, porém, é que essas famílias estejam fugindo da crise econômica naquele país, com falta de dólar no mercado em função da baixa do petróleo.
As primeiras famílias aterrissaram no Rio, mas tinham São Paulo como destino, por ônibus ou táxi. Já as últimas têm descido no Aeroporto de Guarulhos. O perfil é variado: a maioria tem visto de turista, grande parte é de classe média e tem escolaridade e quase a totalidade chega sem ter onde se hospedar. O Estado entrevistou cinco mães e todas relataram não se conhecer previamente.
No fim de março, a Prefeitura enviou um relatório ao Ministério da Justiça solicitando uma investigação sobre as causas para a chegada em massa. “Elas estão chegando sem aviso prévio e nós temos de dar um jeito de acolher. Mas esse fluxo não é de população em situação de rua, que é o nosso perfil”, observa Elisângela Nunes, coordenadora do Centro POP Bela Vista.
O coordenador do Centro de Estudos das Culturas e Línguas Africanas e da Diáspora Negra da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Dagoberto Fonseca, observa que angolanas de Luanda e região metropolitana, perfil das imigrantes dos últimos meses, não costumam ser alvo de perseguição política e religiosa. Segundo ele, o país tem sofrido com a crise econômica. “O imigrante não pode dizer para as autoridades de um país estrangeiro que está entrando em função de relações econômicas ruins. Mas pode dizer que pede refúgio por processos políticos e religiosos.”
Sem volta
Formada em Sociologia, com capacitação em assistência social, Pricila Banduka Maleluka, de 36 anos, chegou ao País no dia 4 com um objetivo claro: não retornar a Angola. “Não vou voltar. Se voltar, eu vou morrer”, afirma ela, que fugiu de perseguição religiosa com o marido e as quatro filhas. Para vir ao Brasil, relata que teve ajuda da Igreja Católica.
Já a angolana Ilda Garcia, de 29 anos, está no Brasil desde 25 de janeiro, quando chegou gestante com o marido e uma filha de 7 anos. Ela desceu no Rio e pegou um ônibus para a capital paulista. De classe média, trabalhava como caixa de supermercado em Luanda e, com o dinheiro do trabalho e ajuda financeira do pai, comprou o bilhete para fugir do país. “Lá precisa ter dinheiro para estudar, porque nas escolas públicas são poucas vagas. Para ir ao hospital público, tem de acordar às 5 horas.”
Segundo Ilda, a decisão de vir para o Brasil foi do marido, que trabalhava em uma agência de transferência de dinheiro e estava ameaçado de morte após vários assaltos. No mesmo dia em que ela aterrissou aqui, Marta Pedro Sebastião, de 31 anos, chegou a São Paulo. Ela trouxe os três filhos, um de 8 meses, outro de 3 anos e o mais velho, de 7 anos. Líder de um grupo que luta pela independência, o marido está preso em Luanda após a polícia ter invadido uma reunião que ocorria no quintal da casa de Marta. Ela conta que foi violentada sexualmente e viu os membros do grupo serem presos e mortos. “Tinha de sair de Luanda ou iriam me matar.”
Riscos
Maria Cristina Morelli, coordenadora do Centro de Referência para Refugiados (Cáritas) em São Paulo, relata que a organização recebeu 382 angolanas em 2015. Só no primeiro trimestre deste ano, acolheu 346. “Muitas afirmam que saíram da Angola fugindo da repressão policial e instabilidade política”, diz. Embora muitas mães aleguem apoio da Igreja Católica, a Cáritas em São Paulo negou saber de qualquer ajuda financeira para as viagens.
Na avaliação de Maria Cristina, as gestantes têm saído da África por sentirem que estão pondo em risco a vida dos bebês se ficarem por lá. Outra das hipóteses, segundo o Estado apurou, é que, ao dar à luz em território brasileiro, ganham a cidadania. E o pai ainda pode solicitar visto permanente – sob justificativa de reunião familiar.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.