Uma em cada três mortes por coronavírus no mundo acontece na Itália. Neste domingo, o governo italiano registrou mais 756 óbitos e 5,2 mil novos casos, aproximando o total de infectados da marca de 100 mil. O retrato mais fiel do drama está na linha de frente da guerra contra o vírus. Parte considerável dos contaminados usa jaleco branco: médicos, enfermeiros e outros profissionais de saúde. Ao todo, são 6,4 mil doentes com covid-19.
"Não respiro." Esta foi a última mensagem do médico Marcello Natali, que morreu no dia 13 de coronavírus. Desde o início da pandemia, ele atuava na linha de frente em Codogno, onde ocorreu o primeiro surto da doença na Itália, mas acabou derrotado pelo inimigo invisível. Morreu sozinho, enfrentando o mesmo martírio de quem tratou como paciente.
Os últimos momentos de Natali foram contados em carta escrita pelo amigo e médico Irven Mussi, que revelou, nas últimas mensagens trocadas entre eles, a lucidez de que a morte se aproximava. "Infelizmente, não estou bem", escreveu Natali. "Dessaturo (queda da taxa de oxigênio no sangue) muito. Em uma máscara com 12 litros de oxigênio, chego a 85% (o normal é de 90% a 95%). Prevejo um tubo no curto prazo."
Na carta, Mussi expressa sua raiva com o governo italiano. "Não é por acaso que isso aconteceu. Fomos enviados para a guerra sem nenhuma proteção. Os soldados de infantaria pelo menos usavam capacetes", escreveu. Em entrevista ao Estado, Mussi conta que Natali não é o único amigo que perdeu.
"Todos os dias somos informados de um colega que se foi. Na semana passada, morreram dois dentistas. Outro dia, perdi um primo e minha irmã está internada", disse. "Estamos com raiva. O governo nos abandonou, não nos forneceu dispositivos de proteção. Quisemos comprá-los com nosso dinheiro, mas as máscaras estavam em falta em todos os lugares."
<b>Risco máximo</b>
Desde o início da pandemia, 51 médicos morreram infectados pelo coronavírus na Itália. Do total, 25 são médicos de família – o que no país funciona como uma espécie de clínico-geral, que faz a triagem para um especialista. Segundo o Mussi, as mortes ocorrem agora por causa da má gestão inicial do surto.
"No início, a maioria de nós não sabia o que havia diante de si. Os médicos continuavam atendendo os pacientes sem proteção. Quando o surto explodiu, já era tarde, porque vários médicos já haviam sido contaminados", afirmou. "A situação começou a melhorar agora, mas ainda faltam dispositivos de segurança", disse.
Mariana Dacorégio, médica brasileira que atende em Brescia, confirmou a escassez de material. "Os dispositivos de proteção são contados. Tentamos economizar o máximo possível. Agora, só um médico entra em cada quarto para visitar pacientes", disse.
Mas não são apenas os médicos. O vírus tem cobrado um preço alto também dos enfermeiros. Daniela Trezzi, de 34 anos, trabalhava na UTI do hospital San Gerardo, em Monza, uma das cidades italianas mais atingidas pela pandemia. Ela foi contaminada e passou os últimos dias preocupada com a possibilidade de ter infectado outras pessoas. Em um gesto extremo, se suicidou na semana passada. E não foi a única. Outra enfermeira também se matou em Veneza.
"Nessas condições de estresse, falta de pessoal e material, tenho medo de me contaminar e que eu contamine meu marido, que é do grupo de risco e está em casa", diz R., enfermeira que trabalha no setor de ginecologia de um hospital da região de Pulia, que prefere não ter o nome completo publicado.
O impacto psicológico é devastador. "Parece que estamos em um filme de terror. Vejo colegas trabalhando 18 horas em condições precárias. O calor humano não existe mais. A situação é triste. Neste momento, nós, profissionais de saúde, viramos a família dos pacientes, porque muitos pais, por exemplo, não podem mais nem mesmo acompanhar o nascimento dos filhos", disse a enfermeira.
<b>Testes</b>
Se o número oficial de profissionais infectados já parece assustador, a Fundação Gimbe afirmou que a situação é ainda pior. Segundo a ONG, que coleta dados para promover políticas públicas, o nível de contaminação dos profissionais de saúde na Itália está subestimado, porque poucos médicos e enfermeiros fazem teste de coronavírus.
A indicação do governo é testar apenas quem apresenta sintomas. Por isso, quem tem um quadro leve acaba não fazendo o exame. "É um absurdo fazer o teste sé em quem tem sintomas graves", disse médico romano Fabrizio Lucherini, em vídeo publicado nas redes sociais. "O exame deveria ser feito por todos que tenham sintomas, mesmo leves. Mas faltam reagentes químicos e pessoal especializado nos laboratórios." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>