Um ano após sua morte, a menina Sofia Gonçalves de Lacerda, levada aos Estados Unidos para transplante múltiplo de órgãos do intestino não realizado no Brasil, ainda abre caminho para famílias que lutam por tratamentos só feitos no exterior. A decisão da Justiça Federal que beneficiou o bebê de Votorantim, interior de São Paulo, está servindo de parâmetro para outros casos, como o de Matheus Teodoro Oliveira, de 7 anos.
A família do mineiro Matheus, portador de grave doença intestinal, conseguiu que o governo brasileiro também custeasse seu tratamento no mesmo hospital, o Jackson Memorial Medical, de Miami.
O menino fez o transplante de intestino no dia 12 e passa bem. A ordem para a cirurgia no exterior foi dada pela Justiça Federal de Belo Horizonte, que determinou o cumprimento em 48 horas. A criança foi transportada em avião fretado. O caso de Sofia foi citado como exemplo no processo. A Justiça autorizou também o tratamento de Vinicius Thimoteo Rodrigues, de 8 anos, de São Paulo, que tem problema semelhante. O garoto ainda aguarda um doador para transplante.
Já o adolescente Antonio Glauber Cassiano Junior, de 16 anos, mais conhecido por Juninho, fez o transplante de intestino em agosto e está em recuperação no Jackson Memorial. Ele tinha menos de 10% do intestino delgado e viajou em junho, depois que a Justiça mandou o governo federal arcar com os custos de mais de R$ 3 milhões.
O estudante pernambucano Weverton Fagner Gomes, de 18 anos, diagnosticado com trombose no intestino, também passou por cirurgia no hospital de Miami em fevereiro. Foram pagos R$ 4 milhões pelo governo brasileiro.
Histórico
O caso de Sofia ficou conhecido por ser um dos primeiros em que a Justiça brasileira mandou o governo bancar o transporte, a cirurgia e o tratamento nos Estados Unidos. O bebê nasceu com Síndrome de Berdon, deficiência no sistema digestivo que impede a alimentação, e precisava trocar estômago, fígado, pâncreas e intestino delgado e grosso.
A família arrecadou mais de R$ 1,8 milhão em campanhas pelas redes sociais. Sofia foi operada em abril de 2015. Segundo os médicos, o transplante foi bem-sucedido, mas ela morreu por uma infecção, no dia 14 de setembro, com 1 ano e 8 meses.
Os pais dela, Gilson Gonçalves e Patrícia de Lacerda, decidiram ficar em Miami e ajudar famílias que buscam tratamento naquele país. O casal já conseguiu o green card, o cartão de residência permanente nos Estados Unidos.
Segundo Antonio Miguel Navarro, advogado que cuidou do caso Sofia, o pai da menina está trabalhando para manter o casal. O dinheiro das doações, segundo Navarro, é destinado a organizações que atendem portadores de doenças raras. “Eles construíram relações de amizade na convivência com os médicos do hospital onde a Sofia ficou internada e ajudam brasileiros que buscam tratamento lá”, explica Navarro.
O casal participa de estudo feito pelo Memorial para prevenir o nascimento de crianças com a síndrome. Em sua fan page, Patrícia contou que o estudo pode dar a chance de ela gerar um novo bebê sem o risco de apresentar a deficiência. Conforme o advogado, o Ministério Público Federal chegou a pedir que o dinheiro arrecadado com as doações fosse devolvido ao governo brasileiro, mas isso foi negado pela Justiça, já que não se trata de recurso público.
Ministério destaca capacidade de hospitais nacionais
O Ministério da Saúde informou que o Brasil já tem condições de realizar transplantes de intestino delgado isolado e transplante multivisceral, que é a substituição de pelo menos três órgão abdominais, por meio do Sistema Único de Saúde (SUS). Segundo o Ministério, o Hospital das Clínicas da USP, o Albert Einstein e o Sírio Libanês têm equipes capacitadas. Até agora, foram realizados cinco transplantes multiviscerais no Brasil.
Ainda segundo a pasta, em seis anos, os custos do governo federal com o cumprimento de decisões judiciais somam R$ 3,9 milhões, um aumento de 727% nos gastos da União com aquisição de medicamentos, equipamentos, insumos, realização de cirurgias e depósitos judiciais. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.