Com uma tradição de má separação entre espaço público e privado encravada em seu passado e presente, o Brasil deve sair desta crise política mais fortalecido do ponto de vista ético, avalia o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso. “Acho que o saldo deste vendaval que está acontecendo deve ser elevação do patamar ético do País, tanto no setor público quanto no setor privado. Precisamos melhorar como sociedade civil e como sociedade política”, disse a jornalistas após participar do I Congresso Internacional CBMA de Arbitragem, no Rio.
Durante o evento, Barroso havia listado, além do patrimonialismo, o oficialismo e o autoritarismo como “três disfunções crônicas” que ainda afetam o Estado brasileiro e precisam ser ultrapassadas “para que o mal não vença no País”. “Precisamos criar um País em que o crime realmente não compense, que as pessoas tenham o estímulo adequado para fazer a coisa certa. A honestidade tem que compensar mais que a desonestidade”, disse Barroso.
Sem citar nomes, Barroso afirmou que o patrimonialismo existe ainda hoje e é prejudicial, uma vez que o administrador não atua como “gestor da coisa pública”, mas como dono que atua em causa própria. “Então, ele acha que pode usar seus funcionários do serviço público como copeiro. Não se separa o público do privado”, disse.
Esse patrimonialismo é reforçado pelo oficialismo, que cria uma “relação pervertida” entre os agentes. “No Brasil, tudo parece depender do Estado, do financiamento público. Todos os projetos empresariais, eleitorais, dependem dessa bênção do Estado, do presidente, de ministros. Temos de diminuir essa compulsão de que o Estado tenha que participar em tudo”, avaliou Barroso.
Embora menos presente que os outros dois fatores diante da consolidação da democracia nos últimos 30 anos, o autoritarismo na administração pública existe por meio da intervenção estatal e da falta de transparência em determinadas decisões, listou o ministro do STF. “Nunca conseguimos desenvolver no Brasil um capitalismo verdadeiro, uma iniciativa privada que fosse compreendida e incentivada”, disse.
“A ideia de capitalismo e iniciativa privada, por conta dessa presença do Estado, sempre foi associada à concessão favorecida, latifúndio ou golpe financeiro, manipulação do poder e concessão de favores. O mundo mudou, mas no Brasil ainda subexiste essa visão de que o lucro é uma coisa feia. Temos um capitalismo em que os próprios capitalistas se viciaram em financiamento público e reserva de mercado”, acrescentou o ministro.
Segundo Barroso, o déficit fiscal é uma prova dessa combinação de deficiências crônicas do Estado brasileiro, que gasta mais do que arrecada. Para reverter isso, apontou o ministro, é preciso criar uma “cultura de capitalismo e iniciativa privada verdadeira”, abandonando a visão de que o Estado é e deve continuar sendo onipresente.