Economia

Mais de 3 mil jovens fazem Enem para privados de liberdade

Há sete meses vivendo atras dos muros da unidade Mario Covas da Fundação Casa, na Vila Maria, zona norte da capital paulista, Marcelo (nome fictício), de 17 anos, terá os próximos dois dias para tentar obter o diploma do ensino médio e, se tudo der certo, dar o primeiro passo na direção do sonho da universidade. Marcelo é um dos 3.042 jovens que cumprem medidas socioeducativas em todo País e farão as provas do Exame Nacional do Ensino Médio para Pessoas Privadas de Liberdade, oEnem PPL. O exame ocorre na terça e quarta-feira, dias 1º e 2 de dezembro.

O Enem PPL é realizado em todo País pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais (Inep), órgão do Ministério da Educação (MEC), em unidades socioeducativas voltadas para menores de idade e também no sistema prisional. Neste ano, 45,5 mil pessoas devem participar. Destes, 3.043 são jovens que cumprem medidas socioeducativas – um aumento de 17% em relação a 2014, quando 2.601 se inscreveram no exame no Brasil. Somente em São Paulo, 1.208 internos da Fundação Casa farão a prova.

Marcelo sonha com o certificado de conclusão do ensino médio para depois cursar Direito. “Isso aqui faz a gente ter outra visão. Quando a sua mãe vem te visitar e tem que passar por revista vexatória, você acaba repensando as coisas”, disse. O desejo do jovem pela certificação não é tão simples. Segundo dados obtidos pela reportagem, a média nacional dos candidatos que fizeram o Enem PPL nos últimos três anos fica abaixo da nota mínima exigida para a certificação, que é de 450 pontos. Em 2014, a média foi de 386,6 pontos. Nos últimos três anos, a nota aumentou apenas 21 pontos, o que representa uma variação de apenas 5%. Como comparação, a média do último Enem tradicional foi de 493,1 pontos. Inep e Fundação Casa não realizam o acompanhamento das notas dos internos.

Aulas

Na Fundação Casa, os internos passam por preparação para o Enem dentro do projeto pedagógico adotado pela instituição. A rotina de estudos dos internos vai das 7h30 às 18h45. Além do currículo padrão da rede estadual, são oferecidas atividades físicas, artísticas, culturais e oficinas profissionalizantes (as últimas realizadas pelas ONGs Ação Educativa e Horizontes). Nas semanas que antecedem o exame, os docentes da unidade Mario Covas buscaram alternativas para ensinar em classes multisseriadas, divididas do 1º ao 4º ano; 5º ao 8º; e 9º ao ensino médio.

O modelo é um desafio para os docentes. “Já cheguei a dar seis aulas diferentes na mesma turma. A divisão é por grupos, um aprende trigonometria, o outro equação de primeiro grau e os demais a somar, subtrair, multiplicar e dividir”, conta o professor Edilson Obici, de 50, que trabalha há cinco anos no local. Neste semestre, foram incluídos exercícios de interpretação de textos matemáticos especialmente para o Enem.

Durante as revisões para o Enem PPL, a professora Stella Duarte, de 39 anos, levou revistas e jornais para trabalhar com os jovens. O objetivo da professora de redação é preparar os adolescentes que não têm contato com informações externas para responder questões de atualidades. Às quartas-feiras, no período noturno, os internos têm oficinas de redação – considerada a maior dificuldade por eles.

Há poucos meses, dois jovens com o ensino fundamental completo chegaram à instituição sem saber ler e escrever, contam os professores. Eles receberam aulas improvisadas no refeitório ao longo de cinco meses até conseguirem ser alfabetizados. “Eu ganho para dar aula, mas existe uma loucura muito maior, que é a paixão de ser professor. Estando com eles eu me sinto mais perto de uma sociedade que vive à margem, sem máscaras, sem hipocrisia”, afirma o professor de filosofia Edmilson Almeida, de 51 anos. A unidade Mário Covas foi inaugurada no ano passado e é considerada referência no País.

Chance

Giovane Vieira da Silva vai para o último ano do curso de Tecnologia da Informação, na Uniesp, em Ribeirão Pires, região metropolitana de São Paulo. Há cinco anos, quando estava na 8ª série e tinha 16 anos, ele se envolveu com o tráfico de drogas e passou cerca de um ano na Fundação Casa.

O ex-interno hoje universitário conta que os professores, na época, focavam nas dificuldades dos alunos. Mas, ao sair, sentiu que teria muitos obstáculos a superar. “O apoio depois que o jovem sai da Fundação é essencial. Geralmente, quem vem dar esse suporte é o gerente da boca (de tráfico de drogas). Acho que se as instituições chegassem primeiro e oferecessem ajuda isso seria um diferencial de verdade”, diz ele.

Ao terminar o período de internação, Giovane participou do projeto Trilhos, da ONG Horizontes. Recebeu orientações desde como se portar e se vestir em uma entrevista de emprego. Conseguiu logo uma vaga como garçom. Alguns meses depois, foi contratado como agente educador na Horizontes, onde permaneceu por três anos.
Para Heloisa Dantas, diretora técnica da Horizontes, faltam projetos públicos no Brasil referentes ao período “pós-medida”, o que enfraquece o trabalho educacional feito com os adolescentes.

“As políticas existentes não dão conta das particularidades desses meninos.” De acordo com Heloisa, alguns jovens permanecem tanto tempo na ilegalidade que, quando mudam, se sentem inseguros e incapazes. O projeto Trilhas auxilia adolescentes e jovens entre 14 e 21 anos que cumpriram medida socioeducativa de internação na sequência dos estudos e inserção em projetos de geração de renda ou trabalhos formais.

O Enem PPL segue o mesmo modelo e regras do Enem regular. No primeiro dia, dia 1º, os candidatos terão 4h30 para fazer a prova Ciências humanas e Ciências da natureza. No dia 2, será a vez das Linguagem, Matemática e Redação, com 5h30 de duração. O exame começa às 13h dentro de cada unidade.

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