O ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), Mangabeira Unger, afirmou que o governo Dilma Rousseff prepara um novo regime legal para o mercado de trabalho brasileiro, que caminhe ao lado da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), mas que não precarize o trabalho como o projeto aprovado pela Câmara regulamentando a terceirização. Segundo ele, a precarização vem aumentando na economia formal, com a redução do trabalhador a terceirizado e também com o trabalho temporário e desqualificado. A seguir, os principais trechos da entrevista concedida de seu gabinete em Brasília:
Como criar uma agenda para o segundo governo Dilma diante da necessidade do ajuste fiscal?
O meu papel no geral é ajudar a presidente e o governo a construir uma agenda pós-ajuste fiscal. O ajuste fiscal é meramente preliminar a essa agenda. A qualificação do ensino básico, a Pátria Educadora, é a primeiríssima prioridade. Os instrumentos mais importantes são ideias e inovações institucionais. É claro que precisamos de recursos materiais também, mas eles são relativamente menos importantes do que o rumo fixado em ideias. Queremos agora organizar uma estratégia de desenvolvimento baseada em oportunidades econômicas e em capacitações educacionais.
Como seria essa estratégia de oportunidades econômicas?
Precisamos agora encontrar maneiras de casar o dinamismo empreendedor com o choque de ciência e tecnologia. Estamos discutindo ações concretas que caminhem nesse sentido. Outro elemento que estudamos é a situação do trabalhador. Ela nos preocupa.
Como assim?
A precarização vem aumentando na economia formal, com a redução do trabalhador ao trabalho terceirizado ou temporário, quando ele deixa de estar protegido pelas leis do trabalho. Isso está associado ao baixo investimento na qualificação do trabalho, que por sua vez está associada à baixa produtividade. Não queremos trabalho barato e desqualificado. Por isso discutimos a construção de um regime legal que enfrente e governe essas novas relações de produção. O trabalho passa a ser organizado cada vez mais no mundo na forma de redes contratuais descentralizadas. Essa é a mudança de paradigma da produção, que é a raiz desse problema da precarização. Não podemos simplesmente desconhecê-la.
Há dois regimes hoje, a CLT e outro, que está em construção, que é o terceirizado. O governo estudo algo no meio deles?
Não diria que é caminho no meio, mas um outro caminho. Há duas posições convencionais em matéria de arcabouço jurídico nas relações trabalhistas. As lideranças sindicais e a elite jurídica no direito do trabalho, que tratam as novas relações contratuais como mera evasão das leis, tentam reprimir ao máximo qualquer mudança. Eles não reconhecem que o que está havendo é uma transformação profunda das práticas produtivas em todo o mundo. Elas voltam a ser redes contratuais, como o “putting out system” (período de transição entre a produção artesanal e o modo de produção capitalista). Já ao grande capital a visão é totalmente de curto prazo, pensa apenas em baratear o trabalho, o que é incompatível com a dinâmica da produtividade, que exige a qualificação do trabalhador. Há portanto de se construir um terceiro caminho. Estudamos um regime jurídico complementar ao da CLT, que proteja, organize e faça representar esses trabalhadores cada vez mais precarizados. Queremos construir um regime de relações entre o capital e o trabalho que aposte na valorização do trabalho e na escalada da produtividade, e não no caminho fácil da precarização e do barateamento.
Mas manteria os direitos trabalhistas?
Não podemos ter duas classes de trabalhadores, uma com os direitos adquiridos, sacrossantos, e a outra abandonada à insegurança econômica. Aí vem o terceiro componente, que é o arcabouço jurídico institucional da ação produtiva. Tem de haver regra para isso.
O sr. falou também em educação. O que está em estudo?
Precisamos qualificar o ensino básico. Entre as nossas tarefas agora há dois grandes conjuntos de iniciativas que não envolvem dinheiro, mas reorientações de rumo. De um lado, temos de organizar a cooperação federativa, sem a qual não conseguiremos avançar. Tudo em educação depende da forma de colaboração do governo federal com Estados e municípios. Não temos na educação um desenho institucional de federalismo cooperativo equivalente ao SUS. De outro lado, nosso projeto da pátria educadora exige uma reorientação profunda do paradigma curricular e pedagógico. Nossa tradição é o “decoreba”, o enciclopedismo básico e superficial. Queremos um ensino focado em capacitações analíticas, de interpretação de texto e raciocínio lógico. Também queremos enfrentar as inibições cognitivas dos alunos.
Mas como promover essas mudanças?
Temos de organizar a forma de cooperação das três instâncias da federação. Isso envolve três elementos: avaliação, redistribuição de recursos dentro da federação, de lugares mais ricos para mais pobres, e de procedimentos de resgate, recuperação e correção. Essa cooperação entre governo federal, Estados e municípios, porém, seria estéril se não estivesse a serviço de uma reorientação curricular e pedagógica, que é conceder e organizar o currículo como uma sequência de capacitações. O objetivo não é substituir a atual enciclopédia grande por uma pequena, mas pensar que o aprofundamento seletivo em conteúdos variáveis é o palco para aquisição de capacitações analíticas. Com oportunidades para individualizar o ensino, tanto em favor de alunos que enfrentem dificuldades quanto em favor de alunos que tem potencial superior.
O tempo que vivemos agora é radicalmente oposto a esse diálogo, diante do radicalismo político. Como fazer?
De fato, há um envenenamento da atmosfera política, com risco de a política degenerar para guerras tribais. Precisamos reconstruir as instituições políticas. Mas não acredito que a reconstrução possa ocorrer já. Porque há duas urgências para serem resolvidas antes disso.
Quais?
A problemática do financiamento eleitoral. Temos de resolver imediatamente e resolver pelo financiamento público e pelas restrições do financiamento privado. Isso é indispensável, é a única maneira de tirar a política da sombra corruptora. A outra urgência é um perigo a se evitar, que é a abolição ao voto obrigatório. Isso seria uma calamidade.