O líder comunitário Antônio Isídio Pereira da Silva, encontrado morto no Maranhão no dia 24, teve seu pedido de proteção recusado há um ano pela Secretaria de Direitos Humanos. Documentos obtidos pelo jornal O Estado de S.Paulo revelam que sua inclusão no Programa de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos, mantido pelo governo federal, foi rejeitado sob a alegação de que as ameaças sofridas diziam respeito a uma “disputa familiar”.
Entidades estrangeiras como a Anistia Internacional e a ONG suíça Cooperaxion haviam feito o pedido de proteção ao líder comunitário, conhecido como Leis, mas, em carta de 20 de novembro de 2014 para a Comissão Pastoral da Terra do Maranhão, o governo explicou que estava arquivando o caso.
Na quinta-feira da semana passada, Silva foi encontrado morto no povoado de Vergel, na cidade de Codó, no Maranhão – local de um intenso conflito por terras. Segundo as ONGs, ele combatia a extração ilegal de madeiras na região e vinha sendo ameaçado havia meses. Segundo o boletim de ocorrência, seu corpo foi encontrado já em estado avançado de decomposição e com marcas roxas no pescoço. As organizações cobram a investigação do crime.
“O assassinato de Antônio Isídio é revoltante. Foi uma tragédia anunciada. Nos últimos três anos denunciamos diversas vezes as ameaças sofridas por ele e a violência decorrente de conflitos agrários. E as autoridades – em todos os níveis – não tomaram nenhuma medida para garantir a segurança dessas pessoas. O preço da inação do Estado, como em tantos outros casos, foi a morte anunciada de Antônio Isídio”, afirmou Atila Roque, diretor executivo da Anistia Internacional no Brasil.
Líderes religiosos locais apontaram que ele havia sido alvo de ameaças nas últimas semanas e que havia procurado a paróquia de Codó para alertar sobre a situação. O centro da disputa é uma área de 2 mil hectares que foi alvo de grilagem e passou a ser vendida de forma ilegal. A região passou a ser controlada por posseiros, madeireiros e pistoleiros.
Em 2013, a Anistia Internacional lançou um apelo público, alertando para o risco que Leis corria. Mas, na carta no fim de 2014, o governo explica que arquivava o caso “considerando a não identificação do nexo de causalidade entre a atuação na promoção e defesa de direitos humanos e as ameaças relatadas”.
As autoridades receberam um e-mail do promotor Haroldo Paiva de Brito, que teria ido até Vergel “investigar a situação de ameaça”. Segundo a carta, ele “não percebeu animosidade latente entre os envolvidos” e chegou a ofertar “ao requerente o Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas (Provita)”.
Saída
Segundo o advogado Diogo Cabral, da Sociedade Maranhense de Direitos Humanos, o Provita foi acionado em setembro de 2015 pela Comissão Pastoral da Terra e fez uma entrevista com Leis, mas o líder não aceitou ingressar no programa pois teria de sair da região.
“Vários fatos, que são públicos, aconteceram na localidade, desde incêndio de capelas, destruição de roças e matança de animais de criação. O clima sempre foi de intensa tensão e impunidade”, disse Cabral. Para ele, o exame não foi completo. “O promotor esteve no local por um dia.”
O padre alemão Josef Wasensteiner, desde 1991 na região, foi um dos últimos a estar com Leis, no dia 19. “Ele veio me ver num sábado e me disse que, na segunda-feira, iria denunciar numa delegacia uma exploração ilegal de madeira”, contou ao Estado. No dia seguinte, ele desapareceu. “Não dá para entender como é que ele não foi protegido pelas autoridades”, disse.
Familiar
A Secretaria de Direitos Humanos negou qualquer tipo de omissão no atendimento ao líder e declarou em nota que “as ameaças que ele sofria diziam respeito a uma disputa familiar e não a um litígio provocado por uma liderança comunitária que ele pudesse exercer em prol da coletividade”.
“Essas informações foram repassadas pelo próprio Antônio Isídio à Equipe Técnica Federal do Programa de Proteção a Defensores de Direitos Humanos, em 4 de março de 2013. Na ocasião, ele chegou a relatar que os parentes que o ameaçavam haviam queimado seu plantio em três momentos distintos”, afirmou a Secretaria. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.