Com a filha Yasmin no colo, Camila Ferreira já dava sinais de cansaço. Eram 9 horas da quinta-feira, o movimento dos médicos no Hospital Universitário Oswaldo Cruz, no Recife, estava ainda engrenando, mas a jornada da mãe e da filha, com suspeita de microcefalia, já tinha começado havia tempo.
Elas saíram de casa às 2h30, pouco antes do horário marcado para a condução da prefeitura de sua cidade, Vitória de Santo Antão, seguir viagem com pacientes que seriam atendidos na capital. “É duro, é cansativo, mas olho do lado e vejo que não estou sozinha”, dizia. A exemplo de Camila, mais 12 famílias aguardavam atendimento de seus bebês no ambulatório de infectologia do hospital, referência para o tratamento de microcefalia no Estado.
Ali, o movimento é intenso durante toda a semana. No dia anterior, por exemplo, o serviço havia atendido 15 crianças com suspeita da má-formação.
Há um mês, os registros de microcefalia não chegavam a 50 no Estado. Agora, passam a casa dos 600. A suspeita, em análise, é de que as infecções por zika de alguma maneira ampliam os riscos de microcefalia – em todo o Pais, são 1.248 casos suspeitos.
A maioria das mães acorda ainda de madrugada para aproveitar o transporte gratuito. Ficam horas à espera do atendimento em hospitais. “A procura explodiu em pouco tempo”, diz a chefe do serviço e professora da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), Angela Rocha. “Procuramos ser ágeis, mas os números cresceram de uma forma que não podíamos imaginar”, constata o diretor de Doenças Transmissíveis da Secretaria Estadual de Saúde de Pernambuco, George Dimech.
Descentralização. Diante dessa situação, o governo do Estado decidiu descentralizar o atendimento. A partir desta semana, de dois serviços especializados, Pernambuco passará a contar com 23. “Mas está tudo só começando”, alerta Angela. “As demandas serão inúmeras e, com o tempo, virão mais.”
“A tendência é chegar a uns 2 mil casos até o fim do ano. E nada indica que 2016 será muito diferente. O registro vai continuar”, avalia o pesquisador da Fiocruz Rafael França.
Diante dessa necessidade, o sistema de saúde terá de ser adaptado. Uma das providências consideradas essenciais é criar programas de acompanhamento psicológico para pais das crianças. Em alguns locais, isso vem sendo feito de forma espontânea. “Mas é preciso mais”, avalia Dimech.
A movimentação no ambulatório na quinta-feira revelava um pouco essa necessidade. Embora repleto de pacientes, o silêncio era marcante na sala de espera. “Não se vê aquele burburinho típico quando se reúnem pais e bebês”, observa Maria Lucia da Silva, que acompanhava a sobrinha no hospital.
Paulo Portela, pai de Helena, que nasceu no dia 5 de outubro, sonha com um serviço de assistência para sua mulher, Nicole. “Ela está mais quieta, chora bastante. Acho que iria ajudar.”
Falando pouco e em um tom quase inaudível, Nicole mostra resistência. “Helena é minha primeira filha. Quando ela nasceu, veio tudo junto: a alegria de ser mãe, o medo da responsabilidade. Sei que toda mãe tem isso, mas imagina o meu caso, com um bebê que tem problemas que nem os médicos sabem direito”, desabafou. “É preciso marcar consulta com oftalmologista, com médico que avalia a audição”, enumera Nicole. Sua maior preocupação é com o neuropediatra. “Vi que essas crianças têm tendência a ter convulsões”, diz. E não havia precisão sobre quando esses exames seriam realizados.
A má-formação foi identificada quando a gestação caminhava para o sexto mês. “Vou fazer de tudo para que ela tenha uma vida feliz. Filho é tudo que a gente deixa nesta vida”, sentencia Paulo, de 21 anos. Quando Nicole, de 22, engravidou, o casal decidiu interromper os estudos. “Acho que agora será por um tempo maior. Tenho de me dedicar à Helena”, afirma Nicole.
Portela diz que não se incomoda quando as pessoas chegam, curiosas, para ver a bebê. “O que não gosto é da cara de pena que uns fazem. Ela é minha filha e terá todo amor que um pai pode dar.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.