Morre padre Ticão, liderança religiosa e social na zona leste, aos 68 anos

Morreu na noite desta sexta-feira, 1, o padre Antonio Luiz Marchioni, conhecido como Padre Ticão, aos 68 anos. Liderança religiosa e social na zona leste de São Paulo, era pároco da Paróquia de São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo, desde 1982.

Com forte atuação nos movimentos de moradia, nos últimos anos, assumiu a defesa pelo uso medicinal da cannabis, atraindo críticas de braços mais conservadores da igreja e até ameaças. Sua morte foi lamentada nas redes sociais pelo prefeito Bruno Covas (PSDB) e por vários políticos de esquerda neste sábado, 2, como Fernando Haddad e Eduardo Suplicy (PT), pela deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) além do o ex-vereador Gilberto Natalini.

"2021 começa com triste notícia do falecimento do Padre Ticão. Grande defensor da população mais carente da Zona Leste de São Paulo. Um guerreiro na luta pela diminuição das desigualdades sociais. Descanse em paz", publicou Covas em sua conta no Instagram.

Ele estava internado desde quinta-feira, 31, no Hospital Santa Marcelina, após apresentar sintomas como falta de ar e cansaço. De acordo com Waldir Augusti, o professor Waldir, amigo e parceiro de Ticão, o hospital chegou a ser testado para covid-19, mas deu negativo. Ele afirma que Ticão tinha um problema cardíaco de taquicardia, mas estava bem até então. No hospital também foi identificada água em seus pulmões.

Comunicado divulgado pelo hospital aponta que ele "deu entrada na unidade em decorrência de uma arritmia cardíaca e o diagnóstico de edema pulmonar, permanecendo internado sob cuidado intensivo e cardiológico". Segundo o hospital, ele morreu "após nova descompensação da arritmia cardíaca, seguida de parada cardiorrespiratória.".

Nascido em Urupês (interior de SP), Ticão chegou à capital nos anos 1970, após apoiar greves de bóias-frias e de professores na região de Araraquara (SP). Na década de 1980, ao apoiar movimentos por moradia que cobravam do então governador Franco Montoro a construção de conjuntos habitacionais, participou da invasão à Secretaria de Estado da Habitação.

Professor Waldir conta que Ticão sempre teve preocupação grande com os mais carentes, mais pobres, atuando para levar mais moradia, saúde e educação para a população. "Em 2020 completamos 35 mil moradias construídas. Ele trabalhou para que fosse construído o Hospital de Ermelino Matarazzo e unidades básicas de saúde. Até a USP Leste veio para cá graças a um trabalho dele", disse.

Do amigo Dom Angélico Sandalo Bernardino, bispo emérito de Blumenau, mas que atuou por décadas em São Paulo, o chamava de "trator de Deus", pela coragem e determinação com as quais encarava suas causas.

"Padre Ticão, para a Zona Leste, significou mudança no modo de pensar, representou apoio e encorajamento às pessoas, representou formação político-cidadã, e representou a verdadeira igreja de Jesus Cristo na opção preferencial pelos pobres. Ele sempre viveu no coração o lema que aprendeu com D. Paulo Evaristo Arns, que era de coragem, de esperança em esperança. Assim ele nos ensinou", afirmou Waldir.

Uma de suas marcas na região foi a criação da Escola da Cidadania, espaço para discussão sobre temas sociais e políticos, nos moldes da Escola de Governo, da USP. O sociólogo Rudá Ricci, presidente do Instituto Cultiva, contou nas redes sociais que conheceu Ticão nessa escola. "Era uma escola de formação de lideranças sociais na zona leste de São Paulo. Acabei sendo convidado para dar uma palestra para esta escola. Lembro que quando cheguei, fui recebido por um padre alto e corpulento com um sorriso contido no rosto", escreveu no Twitter.

"Trocamos algumas palavras e fui conduzido para um enorme salão paroquial, no subsolo da igreja. Ali começava o primeiro impacto: seiscentas pessoas aguardavam o início da atividade, numa sexta-feira à noite, sentadas em cadeiras brancas, dessas de plástico. O debate correu solto e muito animado. Para um educador popular, esta é uma das utopias que motivam nosso engajamento: seiscentas pessoas discutindo o Brasil."

Nos últimos anos, ele se engajou na defesa do uso medicinal da cannabis. "Há 5 ou 6 anos começamos a nos preocupar com os problemas do SUS. Por muitos anos o foco foi mais na construção de unidades básicas de saúde e menos em como deveria funcionar. Aí começamos a pesquisas sobre saúde preventiva, integrativa, mais natural e descobrimos a cannabis. Conversamos com o professor Carlini (Elisaldo Carlini, da Unifesp, um dos principais defensores do uso medicinal da substância no Brasil, morto em 2020) e vimos que tinha um monte de propriedades que vinham ao encontro do que procurávamos", conta Waldir.

Em entrevista em 2019 à revista Carta Capital, onde os dois assinavam artigos, Ticão falou: "Não vou dizer que Deus é maconheiro, eu realmente não sei. Mas com certeza ele é canabista".

Segundo Waldir, Ticão começou a realizar cursos sobre a substância em parceria com a Unifesp. O primeiro reuniu cerca de 330 pessoas e o quarto, e mais recente, já tinha atraído 4.500 pessoas. "Foi chamado de maconheiro, de defensor de uso de drogas, mas ele não desistiu. E nós vamos continuar a seguir sua bandeira", disse Waldir.

Em 2015, Ticão e professor Waldir lançaram o livro Dom Paulo Evaristo Cardeal Arns – Pastor das Periferias, dos Pobres e da Justiça, lançado em comemoração aos 94 anos do arcebispo (morto em dezembro de 2016). Coletânea de artigos de 55 pessoas e ilustrado com 160 fotos, o livro foi publicado pelas Associação Casa da Terceira Idade Teresa Bugolin, com apoio da Imprensa Oficial, do governo do Estado.

O velório será realizado até as 14h deste sábado, na Igreja São Francisco de Assis, em Ermelino Matarazzo. Em seguida, o corpo será enterrado no Cemitério do Carmo I, em Itaquera.

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