Faltando seis semanas para o início da Conferência do Clima da ONU, que será realizada em Paris, negociadores dos países encerraram nesta sexta-feira, 23, a última rodada de negociações em Bonn (Alemanha) com avanços sobre o texto que terá de ser finalizado em Paris, mas ainda com alguns pontos complicados para serem resolvidos.
Diplomatas dos 195 países membros da Convenção do Clima chegaram à reunião, iniciada na segunda-feira, com diversas críticas sobre o rascunho, de 20 páginas, que tinha sido anteriormente proposto. Eles saem agora com uma nova versão, de 55 páginas, que contempla mais aspectos, mas, até por conta disso, deixa mais coisas em aberto para serem definidas em pouco tempo.
A expectativa é que em Paris se feche um acordo global, válido para todas as nações, que seja capaz de segurar o aquecimento do planeta a no máximo 2°C até o final do século. Para isso, a maioria do países apresentou ao longo deste ano suas propostas de como podem contribuir com esse esforço global, as chamadas INDCs. Mas análises já feitas sobre essas promessas de redução das emissões de gases de efeito estufa mostram que elas ainda deixam o mundo no rumo de cerca de 3°C de aquecimento.
O texto base para o acordo finalizado nesta sexta trouxe pela primeira vez a opção de conter um mecanismo de ambição. Segundo a proposta, a cada cinco anos as nações teriam de revisar suas metas, levando a um aumento do compromisso. Muitos especialistas em mudanças climáticas defendem que só um aumento periódico da meta de cortes permitirá alcançar a meta dos 2°C. E de acordo com pesquisas científicas, qualquer coisa a mais do que essa temperatura pode trazer consequências desastrosas para a humanidade.
A possibilidade do mecanismo de cinco anos, porém, é apenas uma, entre outras menos ousadas que aparece. Será em reuniões que podem acontecer entre ministros e chefes de Estado ao longo das próximas semanas e nas negociações formais em Paris que esses nós terão de ser desfeitos.
Outro ponto de destaque foi a inclusão, pela primeira vez, do termo “descarbonização” no rascunho. De acordo com uma das opções, uma economia que não dependa mais de combustíveis fósseis deveria ser o objetivo até o final do século. A proposta está incluída em um item que prevê a adoção de metas de longo prazo. As INDCs falam em compromissos somente até 2030.
A presidente Dilma já tinha falado em mirar a descarbonização da economia nacional até 2100 durante a visita da chanceler alemã, Angela Merkel, ao Brasil. Mas o Brasil não foi muito incisivo sobre isso nas negociações em Bonn. Já o mecanismo de revisão periódica das metas a cada cinco anos agrada o Brasil. O País já tinha feito um indicativo nesse sentido na sua INDC ao apresentar duas metas de corte: uma de 37% das emissões até 2025, segundo valores de 2005, com um indicativo de 43% até 2030.
“O Brasil apoia a inclusão no acordo de um mecanismo de revisão periódica das metas agregadas, com vistas ao aumento da ambição, a fim de atingir a meta de longo prazo. A meta de longo prazo deverá ser ainda melhor discutida. Seguimos defendendo que essa meta seja expressa em termos de temperatura (limite de 2 graus)”, explicou à reportagem o diplomata Everton Lucero, um dos negociadores brasileiros na reunião em Bonn.
Impasses
O tema que é o calcanhar de Aquiles há anos nas negociações climáticas e segue sendo difícil de superar o mecanismo de diferenciação entre os países desenvolvidos e os em desenvolvimento – a conhecida “responsabilidade comum, porém diferenciada”. Estabelecida nos termos da Convenção do Clima na Rio-92, quando a diferença entre nações ricas e pobres era muito mais gritante em vários aspectos, inclusive nas emissões de gases de efeito estufa, tem historicamente atravancado os avanços.
Nesse sentido, tentativas de aumento da ambição para a redução das emissões (países mais pobres defendem que ainda podem emitir mais porque precisam se desenvolver) e o estabelecimento de mecanismos de finanças (sobre que vai pagar a conta para essas mudanças e também para que as nações se adaptem às mudanças climáticas) seguem truncados.
“Nós consideramos lamentável que alguns países estão voltando para uma retórica muito rigída e ultrapassada que divide o mundo em países desenvolvidos e em desenvolvimento de acordo com níveis de renda de 1990. Todas as partes sabem, e o mundo fora dessas negociações está plenamente consciente que, para ser efetivo, o novo acordo deve refletir a realidade atual”, disse Elina Bardram, uma das negociadores da União Europeia, em coletiva à imprensa.
Uma proposta brasileira tenta apaziguar isso. Apresentada no ano passado, durante a conferência de Lima, ela oferece uma diferenciação concêntrica que prevê que os países em desenvolvimento deem saltos de compromisso ao longo do tempo. Linhas gerais da sugestão foram incluídas no rascunho.
Para ambientalistas, o novo texto traz avanços em relação às versões anteriores e abre um caminho para que saia de Paris um acordo melhor. “É um texto que abre várias portas para um acordo significativo em Paris. O que não quer dizer que o acordo vai ser fácil. Ele tem opções muito boas, mas também tem opções ruins. Haverá muita disputa. Será preciso um esforço grande para ter um bom resultado, mas a opção existe concretamente”, disse à reportagem Pedro Telles, do Greenpeace, que acompanhou as discussões em Bonn.
“No início da semana tínhamos um texto bem enxuto e bem estruturado, mas decepcionante, sem o conteúdo necessário. Agora os países colocaram mais conteúdo e tem as opções necessárias para ter um acordo razoável em Paris. Acho que podemos ter confiança de que, se tudo correr bem, pode virar um acordo em Paris”, concorda Mark Lutes, do WWF.
Todo mundo concorda que se chegou a um ponto que só os diplomatas não conseguirão avançar muito mais e que vai ser necessária uma injeção política de ministros e chefes de Estado. Haverá algumas chances para esses encontros nas próximas semanas, como a reunião do G-20 e da OCDE. O governo francês também agendou uma pré-COP para 8 a 10 de novembro, quando, de acordo com o ministro das Relações Exteriores da França, Laurent Fabius, será feita “uma ampla consulta informal de nível ministerial”.
“Como presidente da COP21, ouvirei todos os países imbuído de um espírito de transparência e de diálogo, com a firme intenção de chegar a um acordo ambicioso indispensável”, disse em nota à imprensa.
Para impulsionar essas conversas, as ONGs planejam protestos não só em Paris, mas em várias capitais do mundo nos dias 28 e 29 de novembro, final de semana antes de a Conferência de Paris começar. Também está prevista uma marcha em 12 de dezembro, véspera da data provável em que o acordo será fechado.