Depois do abril menos chuvoso de sua história, o Sistema Cantareira já recebeu em junho um volume de chuvas três vezes maior do que o esperado para o mês inteiro e uma quantidade de água em suas represas superior ao registrado em todo o primeiro trimestre de 2014, quando a crise hídrica começou em São Paulo.
Entre janeiro e março de 2014, o Cantareira recebeu só 117 bilhões de litros da chuva e de seus rios afluentes – a média do período, que historicamente é o mais chuvoso, é 541 bilhões de litros. Já nos 13 primeiros dias de junho, considerado mês tradicionalmente “seco”, a entrada de água no manancial chegou a 120 bilhões de litros, 32% acima do esperado para os 30 dias.
As chuvas abundantes em uma época de estiagem aceleram a recuperação do principal sistema de abastecimento da Grande São Paulo, que costuma perder estoque de água entre abril e outubro. Desde o início de junho, o nível do Cantareira subiu de 37% para 46,6%, o que representa um ganho de 94,4 bilhões de litros de armazenamento.
Na semana passada, o aumento inesperado da vazão dos rios que abastecem o sistema levou a Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) a acionar um plano de emergência para impedir o transbordamento e a abertura das comportas da Represa Paiva Castro e evitar enchentes em Franco da Rocha, como ocorreu em março deste ano.
Até segunda-feira, 13, o Cantareira já havia acumulado 177,8 milímetros de chuva, 206% a mais do que o esperado para todo o mês de junho (58,1 mm). Há apenas dois meses, o cenário era completamente oposto. O manancial que abastece mais de 7 milhões de pessoas recebeu apenas 4,4 mm de chuva, o pior índice em 85 anos de registros, enquanto a média para abril é de 88,7 mm.
Para Pedro Côrtes, especialista em recursos hídricos e professor da Universidade de São Paulo (USP), as mudanças repentinas e extremas do clima “reforçam a necessidade de avaliar bem o comportamento climático antes de tomar qualquer decisão sobre o uso mais intenso dos mananciais”.
Ele explica que as chuvas abundantes de junho ocorrem por causa da transição do fenômeno El Niño (aquecimento das águas superficiais do Oceano Pacífico na região Equatorial) para o La Ninã (fenômeno oposto na mesma região). “Nesta fase de transição esses eventos costumam ocorrer. Em 2007, vimos isso em Buenos Aires, por exemplo, quando nevou nessa época, o que não ocorria havia 30 anos”, afirma.
Segundo Côrtes, as chuvas sobre São Paulo no início deste ano foram consequências de um El Niño de intensidade moderada à forte e a tendência é de que com o estabelecimento do La Niña nos próximos meses, as chuvas na região devem diminuir. “O prognóstico é de chuvas abaixo da média, inclusive no próximo verão, o que vai diminuir a recarga dos mananciais em um período importante”.