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Catingas só respeitam a Polícia Federal

Uma bandeira do Movimento dos Sem-Terra (MST) foi estendida na entrada da Fazenda União Recanto Cinco Estrelas, uma terra da União em Novo Mundo, Mato Grosso. É um disfarce. Os homens armados que vigiam a terra de 9,6 mil hectares, uma área três vezes maior que a do centro de São Paulo, são catingas, milicianos pagos por fazendeiros, advogados, topógrafos e servidores de prefeituras da região para ocupar a fazenda, que estava para virar assentamento do Incra.

O roteiro de uma invasão de terra por catingas começa com o interesse de fazendeiros por determinada área ocupada anteriormente por algum grileiro. Os milicianos entram armados na terra, expulsam o grileiro e seus pistoleiros e loteiam a fazenda entre famílias arregimentadas em bairros pobres de cidades pequenas e médias. Essas famílias pagam mensalidades de cerca de R$ 80 aos catingas. Depois, com a regularização por parte do Incra ou a ocupação praticamente irreversível da área, os mesmos lotes são recomprados das famílias pelos fazendeiros que apoiaram a invasão por valores bem abaixo dos preços estabelecidos no mercado legal de terra.

A Cinco Estrelas é um caso típico desse esquema. No fim da ditadura, o fazendeiro Geraldo Francisco de Moraes, o Bila, recebeu autorização dos militares para entrar na terra pelos serviços prestados no combate à Guerrilha do Araguaia e na repressão a posseiros, nos anos 1970 e começo dos 1980. Ele, então, montou um grupo de pistoleiros para vigiar especialmente a estrada que corta a fazenda, um caminho de 22 km de uma porteira a outra. E passou a explorar ouro na área. Nos últimos tempos, fez acordos com produtores de soja que plantam, mediante pagamento, em parte da terra.

No ano passado, um grupo de famílias sem terra organizado por Roseli Aparecida Sachet, de 53 anos, uma liderança independente do campo, ocupou um pedaço da Cinco Estrelas. Bila foi implacável. Um grupo de pistoleiros chegou à noite ao acampamento, mandou homens, mulheres e crianças deitarem na lama do chão e iniciaram uma série de torturas. Colocaram sacos plásticos na cabeça de adolescentes e ameaçaram atirar em crianças na frente dos pais até darem ordens para o grupo sair em disparada da fazenda.

Na Justiça Federal em Sinop, cidade vizinha, o grupo de Roseli foi aconselhado a esperar longe de Novo Mundo a decisão sobre reintegração de posse para o Incra. Foi aí que entrou um terceiro grupo, o dos catingas, apoiado por fazendeiros e advogados de Novo Mundo, Peixoto de Azevedo e Guarantã do Norte. Os catingas foram informados de que a área seria a próxima a virar assentamento e decidiram ocupá-la.

Pistoleiros de Bila estavam relaxados por causa da palavra dada pelos sem-terra à Justiça de que não haveria mais ocupação. Numa noite, os catingas, sem envolvimento com o grupo de Roseli, surpreenderam os pistoleiros. Entraram na fazenda sem dar um tiro. “Pegamos eles despreparados. Quando acordaram, a gente estava dentro”, relata Cláudio Cunha, o Claudinho, um dos líderes.

O Estado esteve na fazenda. Após conversas com pistoleiros e líderes da milícia, a reportagem percorreu a área invadida. No centro da fazenda, homens e mulheres preparavam churrasco e discutiam os próximos passos para dividir em lotes a terra, a mata e o garimpo. Caminhonetes de alto padrão estavam estacionadas.

“Aqui Polícia Militar não entra. Só se for a Federal”, avisou Cunha. Ele reclamou do tratamento que recebe de alguns setores na região. Diz que não lidera catingas, mas sim a Associação dos Pequenos Produtores do Vale do Nhandu, que teria 2 mil pessoas. Ele admite que nunca teve ligação com o MST e se autodefine como “cortador de lotes”, especialista em ocupar terras e dividi-las entre famílias que pagam mensalidades. “A bandeira está na nossa porteira, mas a gente nunca foi sem-terra.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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