O pacote de medidas tributárias anunciado pelo Ministério da Fazenda é positivo, mas “incompleto” e “pontual”, porque deixa de fora reformas para tornar a estrutura de impostos mais justa. A avaliação é de dois economistas do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), que sugerem a cobrança de Imposto de Renda (IR) sobre a parcela do lucro das empresas distribuída a pessoas físicas como saída para arrecadar de R$ 43 bilhões a R$ 59 bilhões por ano, mais do que a recriação da CPMF.
“A CPMF é a pior opção”, afirmou Sérgio Gobetti, da Diretoria de Estudos e Políticas Macroecônomicas do Ipea. Segundo ele, a CPMF é “regressiva”, porque é cobrada em cadeia, de forma cumulativa, pesando mais sobre os mais pobres.
Gobetti e seu colega de Ipea Rodrigo Orair sustentam, em artigo publicado mês passado, que a crise política e econômica, com rombo nas contas públicas e intolerância ao aumento de impostos por parte de empresários e consumidores, exige “uma reforma tributária que contemple as dimensões de equidade e eficiência”, sem aumentar a carga tributária.
No estudo, com dados da Declaração Anual do Imposto de Renda, da Receita Federal – ao estilo do economista francês Thomas Piketty -, os pesquisadores do Ipea propõem a redução de tributos sobre empresas como contrapartida à cobrança de IR sobre os dividendos (como é chamada a parte do lucro pago aos acionistas) recebidos por pessoas físicas. A redução dos tributos para as empresas seria feito aos poucos ao longo de anos. Se as medidas já estivessem valendo este ano, o resultado seria R$ 47 bilhões a mais nos cofres públicos neste ano. Para comparar, quando o então ministro da Fazenda, Joaquim Levy, anunciou a proposta de volta da CPMF, em setembro passado, a projeção era arrecadar R$ 32 bilhões este ano.
Na proposta do artigo, a redução de impostos ano a ano levaria a uma renúncia fiscal de R$ 500 milhões em 2022. Considerando que, até lá, a volta do crescimento econômico elevaria a arrecadação e haveria tempo para aprovar cortes de gastos, o efeito sobre as contas públicas seria positivo. “O ajuste fiscal precisa ser solidário e a estrutura tributária, mais eficiente”, disse Orair.
Segundo os economistas, desde 1995, o Brasil é um dos poucos países com economia relevante que não cobram imposto algum sobre dividendos. Com isso, os muito ricos pagam menos impostos, proporcionalmente, do que os assalariados de classe média alta. Para os mais pobres, o peso é ainda maior, mas a conta é indireta: como há muitos impostos sobre bens e serviços, vários preços são mais altos no Brasil do que no exterior.
Segundo Gobetti e Orair, na média, países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE, grupo que reúne os países mais desenvolvidos) tributam os lucros em 49%, sendo 25% nas empresas e 24% sobre as pessoas físicas que são acionistas. No Brasil, o lucro das empresas leva mordida de 34%, mas os acionistas não pagam nada.
Nas simulações dos pesquisadores, tributar dividendos na fonte com 15%, como era até 1995, atingiria 2,1 milhões de brasileiros e aumentaria a receita em R$ 43 bilhões (em valores de 2013). Se os dividendos fossem taxados pela atual tabela do IR, com faixa de isenção e alíquotas de 7,5% a 27,5% conforme a renda, apenas 1,2 milhão pagariam mais e a receita adicional seria de R$ 59 bilhões.
Para Gobetti, o pacote de ontem poderia ter incluído o IR sobre dividendos, ainda que com uma alíquota pequena. “Teria a virtude de abrir essa discussão na sociedade”, afirmou o economista, lembrando que, na lista de propostas para resolver a crise fiscal, há poucas medidas que afetam o “andar de cima”.