Economia

Sem obras, construtoras vivem rotina de enxugamento e renegociação de dívidas

Com dois novos contratos em mãos, a construtora Geosonda acreditava que 2015 seria um ano de faturamento gordo, apesar de a Operação Lava Jato já ter mostrado a sua cara ao setor naquela época. Especializada em fundações e rebaixamento do lençol freático, a empreiteira não pensou duas vezes antes de se endividar e importar um guindaste para tocar a obra. Após meses de espera, o equipamento chegou. Mas, do Porto de Santos, foi direto para um galpão da empresa em Cotia, na Grande São Paulo, e está até hoje parado. A obra onde o guindaste seria instalado foi suspensa por falta de verba.

A partir daí, a companhia, que tem 70 anos no mercado, entrou numa maré de notícias ruins. Além do empreendimento suspenso, até hoje não recebeu pelos serviços prestados a uma empresa que rescindiu contrato com o governo do Estado de São Paulo. De 2015 para cá, o faturamento da construtora caiu pela metade, e o quadro de funcionários também. “Atualmente somos mais uma empresa de renegociação com bancos do que uma construtora”, afirma o presidente da companhia, Clovis Salioni. Para o executivo, que já passou por várias crises e planos econômicos no País, a situação atual do setor é a pior. “Hoje vivemos a impossibilidade de planejar o amanhã.”

Do ano passado para cá, casos como o da Geosonda se espalharam por todos os cantos do País. Sem obras para tocar, cada uma faz o que pode para continuar com as portas abertas. Algumas enxugaram a estrutura e demitiram parte dos funcionários. Outras nem isso podem fazer, pois não têm dinheiro para pagar as indenizações trabalhistas. A lista de estratégias usadas pelas empresas para reduzir custos inclui ainda mudança da sede para imóveis menores.

Há também aquelas que recorrem até aos famosos precatórios para dar um pouco de fôlego ao caixa, bastante combalido com a escassez de obras. No ano passado, o Produto Interno Bruto (PIB) do setor da construção caiu 7,5%, a pior taxa desde 2001, segundo Boletim Trimestral da Associação Paulista de Empresários de Obras Públicas (Apeop). Neste ano, o segmento deve recuar outros 2,6%.

Para algumas empresas, no entanto, a sensação é de que a situação é ainda pior. A Ellenco, por exemplo, viu suas receitas despencarem quase 70% em 2015. De repente, o tamanho da construtora, com sede em Sorocaba, no interior de São Paulo, já não era mais compatível com o volume de obras em carteira. Enquanto os contratos antigos iam minguando, novas obras não surgiam para repor as perdas. Diante da sangria, a primeira iniciativa foi cortar mais de 200 funcionários (40% do quadro total), afirma o diretor Décio Maluf.

A crise também mudou o perfil da empreiteira, de 65 anos e que está na terceira geração familiar. Antes focada em contratos públicos, agora ela quer ampliar a fatia de projetos privados na carteira. “Decidimos focar mais no cliente privado, como as concessionárias de rodovias, que têm planos de investimentos a cumprir”, diz Maluf. Segundo ele, a companhia já conseguiu inverter as posições. Até 2014, a carteira era formada por 60% de contratos públicos e 40% privados. “Hoje, essas participações se inverteram.”

A situação crítica enfrentada pelas empresas é o retrato dos números negativos da indústria da construção. No ano passado, os investimentos em obras caíram R$ 51 bilhões – 7,62% inferior a igual período de 2014, segundo cálculos da Ex Ante Consultoria Econômica, feitos a pedido da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo. Sem novas obras no radar, a tendência é essa queda se aprofundar nos próximos meses.

“A maior parte dos projetos está parada por falta de verbas do poder público. Não tem empenho (fase de execução do orçamento), não tem pagamento e, nesse ritmo, ficamos sem faturar”, afirma Bruno Freitas, da Villanova Engenharia e Desenvolvimento Ambiental. Ele brinca que, para superar a paradeira do mercado, tem de ter muita criatividade. As práticas tradicionais, como corte de pessoal e redução da estrutura física, já foram adotadas.

Agora vem um trabalho ainda mais difícil, que é tentar encontrar formas de aumentar a receita. Na atual situação vale qualquer negócio, até receber precatórios de dez, 15 anos atrás. “É o que está salvando o caixa da empresa”, diz Freitas, destacando que a construtora sempre teve no seu DNA receitas oriundas do setor público. “Hoje temos três contratos parados, o que foi responsável por uma queda no faturamento de 25% a 30%.”

A rotina das construtoras no meio dessa crise tem sido fazer contas e cortar na carne. “Fazemos reuniões todas as semanas para avaliar a situação. Trabalho há 40 anos no setor e nunca vi nada parecido. Não há oferta de obras e os pagamentos estão atrasados há mais de 80 dias, caminhando para 90 dias”, diz o presidente do Sindicato da Indústria da Construção Pesada do Estado de São Paulo, Silvio Ciampaglia. A dúvida é saber quem vai sair dessa turbulência vivo. “Tem gente no mercado que não vai aguentar muito tempo”, diz Bruno Freitas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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