As pesadas e gigantescas máquinas, tratores e caminhões fora de estrada que nos últimos cinco anos removeram milhares de toneladas de terra e pedra para dar forma à Hidrelétrica Belo Monte deram lugar a um trabalho quase manual. Agora, profissionais treinados fazem o acabamento final da terceira maior usina do mundo. Sob um calor que beira os 35 graus nessa época do ano, cerca de 10 mil trabalhadores correm contra o tempo para inaugurar, com mais de um ano de atraso, a primeira turbina do projeto. Alguns vivem pendurados nas alturas para soldar os enormes dutos por onde passará a água que vai gerar energia. Outros gastam o dia empilhando milhares de placas milimétricas dentro da enorme roda que abrigará a turbina.
Se todo esse esforço der certo, no dia 16 de abril a emblemática Belo Monte produzirá seus primeiros 611 megawatts de energia. Três dias depois, uma nova turbina, desta vez de 38 MW, também começará a operar. A partir daí, o cronograma prevê a entrada de uma nova máquina a cada dois meses até 2019 – quando a hidrelétrica alcançará sua potência máxima, de 11.233 MW.
Mas, conforme a usina avança, a cidade de Altamira, no oeste do Pará, vive uma espécie de ressaca: a economia minguou, a população cresceu, os índices de criminalidade aumentaram e a nova infraestrutura, com hospital e rede de água e esgoto, construída por causa da usina, continua parada.
Com 95% das obras de terraplenagem concluídas, a megausina iniciou no ano passado o processo de desmobilização do canteiro de obras. Dos 32 mil trabalhadores contratados até 2014, 22 mil foram demitidos. A nova fase do empreendimento, que envolve mais a montagem das máquinas, atingiu em cheio as empresas da cidade, especialmente as do setor de material de construção – que também sofrem com a crise econômica do País.
Com a demanda mais fraca e aumento da concorrência, algumas lojas tradicionais de Altamira já decidiram fechar as portas. A Comercial Valente, do empresário Valdir Narzetti, colocou até o prédio à venda. Na Comacol, loja que tem mais de 30 anos, os funcionários estão cumprindo aviso prévio, diz o proprietário Jucelino Francisco Covre. O setor imobiliário é outro que foi pego no contrapé. Depois de investirem pesado na construção de imóveis para abrigar funcionários das empresas que chegaram para construir a hidrelétrica, as unidades estão vazias. Algumas ainda nem ficaram prontas.
O reflexo da baixa demanda foi imediato. O aluguel de uma residência de 3 ou 4 dormitórios, que antes custava R$ 4 mil, hoje não passa de R$ 1,8 mil, segundo dados da imobiliária Consulte Imóvel. Uma casa com piscina, bastante procurada no início da obra, era alugada por R$ 6 mil. Hoje, o proprietário não consegue nem R$ 2 mil por ela. Segundo a imobiliária, a procura por imóveis para alugar caiu 40% no último ano. “A cidade está parada, e ainda nem sentimos todo o impacto das demissões em Belo Monte”, afirma Narzetti, destacando que os ex-funcionários da usina ainda estão gastando a indenização.
O presidente da Associação Comercial de Altamira, Milton Elias Fischer, conta que, embora todos soubessem que um dia haveria a desmobilização, o movimento surpreendeu o comércio. “Pegou todo mundo de calça curta. Sabíamos que haveria um fim, mas esperávamos que a desmobilização fosse mais gradativa.” Ele conta que muita gente pegou empréstimo no banco para investir em novos negócios e nem teve tempo para começar a operar. O sentimento de muitos moradores de Altamira é que a cidade perdeu o bonde para reduzir pelo menos parte da dívida social de mais de 100 anos.
No início da década, quando os primeiros engenheiros e máquinas começaram a desembarcar na cidade para construir Belo Monte, os empresários apostavam no empreendimento como um trampolim para o desenvolvimento do município, que em 2010 tinha um Índice de Desenvolvimento Humano (IDH)) de 0,665 – semelhante ao de países como Vietnã, Iraque e Bolívia. “Acreditávamos que mais investimentos viriam para a cidade de forma definitiva. Mas vieram apenas os fornecedores da usina, cumpriram o contrato e já foram embora”, afirma Narzetti. “Continuamos sem um grande supermercado e, dos shoppings planejados, apenas um pequeno virou realidade.”
Infraestrutura
Mas, apesar dos entraves, algumas melhorias foram feitas. Falta apenas a prefeitura entrar em acordo com a Norte Energia para assumir os novos ativos, como o hospital e a rede de água e esgoto. No total, a Norte Energia investiu quase R$ 4 bilhões em ações socioambientais como parte das contrapartidas para construção da hidrelétrica. Mas, por enquanto, a população só vê os transtornos das obras na cidade. A rede de água e esgoto construída pela Norte Energia para atender 100% do município está pronta há 18 meses. Na prática, no entanto, nada mudou. A maioria dos moradores continua usando o sistema antigo de fossas e poços. A briga ficou em torno da conexão das residências à rede. A prefeitura argumentava que não tinha condição de assumir os ativos e a conta, que beirava os R$ 30 milhões. Resultado: a Norte Energia assumiu as ligações das residência, mas as obras ainda não foram iniciadas.
Outro empreendimento é o Hospital Geral de Altamira, com 103 leitos. O estabelecimento está pronto há um ano e ainda não foi ocupado. A prefeitura disse que está preparando o local para a transferência do hospital antigo. Um aterro sanitário também foi construído, mas já teve de passar por obras de reparo por causa do mau uso. Por enquanto, a única melhoria visível é a retirada das enormes palafitas da cidade. O local, onde antes viviam milhares de pessoas em condições sub-humanas, hoje começa a ganhar contornos de um grande parque, que será entregue no fim do primeiro semestre. “Altamira é a cidade polo da região. Ela vai sobreviver ao fim das obras de Belo Monte”, diz Fischer. “Além disso, teremos depois o projeto Belo Sun (projeto de mineração no Xingu), e esperamos não ficar órfãos do poder público.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.