Indiana Nomma não tinha quatro anos em 1980 quando foi levada pelos pais à Plaza de la Revolución Sandinista, em Manágua, Nicarágua, para assistir a um show de Mercedes Sosa. Vivia com pai e mãe exilados, o sociólogo e jornalista Clodomir Santos de Morais e a militante e educadora Celia Lima, longe do Brasil, uma terra de prisões, tortura e mortes. Mercedes estava ali para testemunhar o florescer da alfabetização pelos interiores da Nicarágua, na qual sua mãe trabalhava como alfabetizadora.
A vida de Indiana só parecia curta. Até ali, ela já havia nascido em Honduras, em 1976, lugar para onde os pais foram depois de Clodomir ser preso pela ditadura brasileira, torturado e confinado na mesma cela em que estava o educador Paulo Freire, e vivido no México, para onde saíram também por perseguições políticas do governo hondurenho. "Filha, se eu pedir pra você correr, você corre, mesmo que eu não esteja correndo atrás de você e não olhe pra trás", pediu a mãe, agachada à sua frente. A rota do exílio parecia não ter fim.
Mas lá estava Indiana nos ombros do pai sentindo algo que os adultos, que corriam tanto, não podiam explicar assim que Mercedes começou a cantar e a fez entender o que realmente importava. A voz grande de La Negra entrou e se hospedou à espera do dia em que ela também, Indiana, pudesse cantar. Quarenta e um anos depois, Indiana Nomma tem em Mercedes a base de uma consciência social exuberante e da criação identitária de seu eixo musical mais forte. Ela canta jazz com uma soltura de engrandecer Billie Holiday e reduz-se para honrar a bossa nova ao lado de Osmar Milito, mas é a melhor de todas em si mesma quando evoca a voz latino-americana. "Eu não sei explicar, é como se outra entidade tomasse conta de mim."
Com três álbuns e um tributo a Mercedes que faz há 21 anos por países como Argentina, Itália e Alemanha, além do Brasil, Indiana, que hoje vive no Rio, faz nesta sexta, 2, às 21h, a apresentação com o repertório da cantora argentina que será transmitida pelo YouTube da casa Blue Note. Estará ao lado do violonista gaúcho André-Pinto Siqueira.
É o mesmo repertório que apresentou no Teatro Opera de Buenos Aires, em 2019. "Eu tive uma crise no avião antes de chegar lá. Quase voltei. Pensava que seria muita ousadia cantar Mercedes Sosa aos argentinos."
Mas Indiana foi e, ao ser anunciada, sentiu sussurros de reprovação da plateia. Ao começar a cantar Gracias a La Vida, ouviu um silêncio imediato e, depois de seguir por pouco mais de um minuto, espantou-se com uma explosão de palmas e de pessoas em lágrimas. Entendeu que a reação era por imagens mostradas no telão que ficava às suas costas e, ao final, perguntou à produção o que haviam mostrado. O telão sequer foi ligado. O choro e as palmas eram todos para Indiana.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>