Logo que os primeiros casos de covid-19 foram registrados em São Paulo, há mais de um ano, a prefeitura de Guanambi entrou em alerta. A diretora de Atenção Básica da cidade baiana, Kelle Araújo, logo percebeu que seria uma tragédia se o coronavírus se espalhasse na comunidade. O município, com menos de 100 mil habitantes, fica a mais de 700 quilômetros de Salvador e tem poucos recursos médicos.
A solução, pensou Kelle, seria retardar ao máximo a entrada do Sars-CoV2 em Guanambi. E, quando ele chegasse, tentar conter sua disseminação. O plano funcionou. Até a última sexta-feira, a cidade havia registrado 6.180 casos e 61 óbitos por covid-19. Como Kelle, outros cinco gestores de pequenas cidades do Norte e do Nordeste fizeram o mesmo. Tiveram resultados igualmente positivos.
Um estudo do Instituto de Estudos de Políticas em Saúde (IEPS) analisou a resposta à covid nesses seis pequenos municípios. Todos tiveram baixo número de casos e poucas mortes. A análise das estratégias adotadas por Tanhaçu (BA), Brotas de Macaúbas (BA), Santa Helena (PB), Cachoeira do Piriá (PA), Buriti (MA) e Guanambi, revelou que todas adotaram procedimentos semelhantes. Restringiram a mobilidade e se empenharam para que as decisões fossem cumpridas. Todas recorreram a medidas de restrição, na contramão do que defende o governo federal. E, sobretudo, houve vontade política para que elas fossem respeitadas.
"Em meados do ano passado, decidimos acompanhar a situação nos municípios de pequeno e médio porte no Norte e no Nordeste que então eram as regiões mais afetadas pela pandemia", contou a pesquisadora da Fundação Getúlio Vargas Gabriela Lotta, uma das autoras da nota técnica do IEPS.
Segundo ela, bem cedo ficou "muito evidente" que algumas cidades, com perfil muito parecido ao da maioria dos municípios daquelas regiões, tiveram resultados bem melhores que os das demais. Não registraram nenhum caso até setembro. Os pesquisadores queriam entender por que naqueles seis os resultados tinham sido tão superiores.
<b>Vontade política</b>
"Fizemos entrevistas com os gestores e logo ficou evidente que as seis cidades tinham adotado as medidas preconizadas pela OMS", contou Gabriela. "Mas não foi só isso. No caso deles, houve uma verdadeira vontade política de fazer com que elas realmente funcionassem."
Um exemplo foi a barreira sanitária. Alguns gestores apenas distribuíram folhetos educativos na entrada das cidades. Nesses seis casos, o empenho foi maior: quem estava apenas de passagem era acompanhado. O objetivo era garantir que, de fato, não entraria na cidade. A moradores que retornavam, não se recomendava só o isolamento de 14 dias. Cada um foi cadastrado e as autoridades fiscalizaram. "Antes mesmo de os primeiros casos surgirem, tínhamos grupos de educadores nas ruas, orientando a população sobre medidas de higiene e distribuindo máscaras", contou Kelle.
Quando os primeiros casos foram identificados, os pacientes foram isolados. Seus contatos foram rastreados e "quarentenados". Eventualmente, as cidades adotaram medidas de lockdown, negociadas com os comerciantes locais.
"A narrativa de todos os gestores foi similar", contou Gabriela. "Eles sabiam que, se a situação saísse do controle, teriam muito pouca condição de enfrentar, por causa da capacidade hospitalar."
Para especialistas ouvidos pelo Estadão, em parte o sucesso é explicado pela dinâmica das cidades menores. No entanto, dizem, muitas medidas poderiam ter sido adotadas com sucesso por cidades maiores. Como o trabalho com atenção primária, as estratégias de vigilância, fortalecimento dos profissionais da saúde e as políticas econômicas e sociais." Especialista em gestão de saúde da UFRJ, Chrystina Barros concorda com a colega. "A densidade demográfica menor facilita o controle, claro", disse. "Mas dá para ver claramente o quanto o investimento na atenção primária faz diferença." As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>