É a segunda vez em menos de um ano que Diego Antonio de Oliveira, de 26 anos, morador de Manaus (AM), fica sem emprego por causa da covid. Em abril de 2020, ele trabalhava numa indústria que produzia baralhos. Com a interrupção do fornecimento de insumos importados da China em razão da pandemia, ele e 44 terceirizados foram demitidos.
Duas semanas depois, Oliveira conseguiu um novo trabalho, também como terceirizado e por prazo determinado em uma indústria que produz placas eletrônicas para maquininhas de cartão. O contrato de nove meses acabou na semana retrasada, em meio a uma nova onda de covid que levou Manaus ao caos sanitário, sem oxigênio. Ele está novamente sem trabalho.
"Fico naquela ansiedade, no vai ou não vai", diz o trabalhador sobre a expectativa de ser recontratado. Agora, com a nova onda da doença, causada por uma cepa muito mais contagiosa, e com o abre e fecha dos estabelecimentos comerciais e industriais, as empresas estão mais cautelosas nas decisões.
Pai de uma filha de 3 anos, Oliveira depende do salário de R$ 1.585 que recebia até o mês passado para sustentá-la. Ele, o pai, a mãe e o irmão já tiveram covid. Faz três semanas que perdeu o avô para a infecção.
Caio Mateus Aprígio Mendonça, de 23 anos, é outro trabalhador que na semana passada estava apreensivo com a situação. "Tenho medo de ficar desempregado e de pegar a doença. Minha mãe teve covid, ficou muito ruim, mas se recuperou."
Três meses atrás Mendonça conseguiu um novo emprego por tempo indeterminado no distrito industrial de Manaus, após dez meses desempregado em razão do corte que houve na época na empresa onde trabalhava por causa da primeira onda da doença.
Até meados da semana passada, o metalúrgico estava em casa. Com o novo surto, a indústria na qual trabalha deu férias coletivas, que terminaram no dia 4. "Estou preocupado, não tenho reserva para manter as despesas com aluguel, mantimento e estudo." Com salário de R$ 1.700, ele se matriculou num curso técnico, mas não conseguiu cursar nem a primeira aula em razão do lockdown.
O medo da doença e de ficar desempregado atormentam os trabalhadores do polo industrial. Desde meados do mês passado, quando a crise sanitária se instalou novamente na cidade, a rotina da indústria varia de acordo com a pandemia.
Até este domingo, 7, por exemplo, as fábricas de produtos não essenciais, como eletroeletrônicos, eletrodomésticos, celulares, motocicletas, bicicletas, equipamentos de informática só podiam trabalhar 12 horas, entre 6h e 19h. A partir de hoje, o novo decreto do governo do Estado, válido por 7 dias, permite a indústria trabalhar 24 horas, mas com ajuste de turnos. Isso porque os trabalhadores não podem se deslocar durante o toque de recolher, entre 19h e 6h.
"Houve flexibilização porque os números da pandemia estagnaram, mas não melhoraram", afirma o presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), José Jorge do Nascimento Jr. Ele enfatiza que o governador do Amazonas, Wilson Lima (PSC), ressalvou que, se houver piora, o funcionamento das indústrias voltará a ter restrições. "Se tivermos de parar, vamos parar", diz Nascimento.
Por ora, o presidente da Eletros explica que as indústrias devem retomar os três turnos esta semana. Já o presidente do Sindicato dos Metalúrgicos do Estado do Amazonas, Valdemir Santana, calcula que, com as novas regras, será possível trabalhar dois turnos estendidos.
Com a flexibilização desta semana, o sindicalista acredita que o "risco de desemprego de temporários diminuiu sensivelmente". Antes das mudanças, ele dizia que havia 6 mil temporários ameaçados. Neste domingo, ele cortou o número pela metade.
"Se não demitimos lá atrás, não tem porque demitir agora mesmo, já que vamos voltar a trabalhar por 24h", argumenta Nascimento, da Eletros.
<b>Indústrias</b>
Mesmo com a pandemia, as indústrias da Zona Franca de Manaus(AM) registram crescimento no ano passado. De janeiro a outubro de 2020, o último dado disponível, o faturamento dos fabricantes instalados no Polo Industrial de Manaus somou R$ 95,49 bilhões, segundo as estatísticas da Superintendência da Zona Franca de Manaus (Suframa). Em relação ao mesmo período de 2019, é um acréscimo de 9,71%. De janeiro a outubro de 2019, a receita do polo tinha atingido R$ 87,04 bilhões.
Já em dólar, por causa da forte desvalorização cambial, a receita do polo industrial encolheu em relação a 2019. De janeiro a outubro de 2020, o faturamento foi de US$ 18,24 bilhões, ante US$ 22,21 bilhões em igual período do ano anterior.
Enquanto o emprego deu marcha à ré na maioria dos setores por causa da pandemia, no Polo Industrial de Manaus o saldo foi positivo. De janeiro a outubro, 22.180 trabalhadores foram admitidos e 18.050 dispensados. O saldo positivo é de 4.130 novas vagas.
Entre temporários, efetivos e terceirizados, o estoque médio de trabalhadores ocupados nas linhas de produção das indústrias de Manaus nos dez primeiros meses de 2020 foi 91.803. Somente em outubro, o último dado disponível, a média de trabalhadores empregados alcançou 95.690.
<b>Eletrônicos</b>
A segunda onda de covid-19 em Manaus (AM), muito mais grave do que a primeira de 2020, desestabilizou a produção da indústria da Zona Franca neste início de ano, num momento em que as fábricas estavam a todo vapor.
Exceto as fabricantes de alimentos, bebidas, produtos de higiene pessoal e limpeza, insumos farmacêuticos e embalagens – itens considerados como essenciais – as demais indústrias tiveram severas restrições ao funcionamento no mês passado por causa do agravamento da crise sanitária.
Operando com um turno em janeiro, fabricantes de eletroeletrônicos calculam que tenham perdido entre 30% e 40% na produção, um volume muito significativo para o setor.
Também a Honda, maior montadora de motocicletas, suspendeu a produção entre os dias 25 de janeiro e 3 de fevereiro por causa do agravamento da pandemia e deu férias coletivas ao funcionários. A empresa informa que "ainda é prematuro precisar qual será o impacto da segunda onda de covid-19 na produção".
Mas uma freada no ritmo das indústrias de Manaus pode ter impactos significativos na atividade fabril. É na Zona Franca que são produzidos todos os televisores, aparelhos de ar condicionado e motocicletas do País e também boa parte dos telefones celulares, notebooks e fornos de micro-ondas. Também o peso dos segmentos de duas rodas e de eletroeletrônicos na indústria do Amazonas é significativo. Juntos, esses dois segmentos respondem por mais de 75% do faturamento e dos empregos fabris do Estado.
A Honda admite a indisponibilidade de alguns modelos de motos em determinadas regiões por causa da pandemia. Nas contas da Abraciclo, entidade que reúne a indústria do setor de duas rodas, o déficit na entrega de motocicletas varia, no momento, entre 150 mil e 200 mil unidades. Ele é resultado da demanda aquecida por causa do boom dos serviços de entrega (delivery) e das paralisações da produção ocorridas em 2020 e das novas restrições neste ano.
"A nossa capacidade de atendimento com produtos fabricados em Manaus está reduzida", admite João Carlos Brega, presidente da Whirlpool para América Latina. Em Manaus, a empresa, que é dona das marcas Brastemp e Consul de eletrodomésticos, produz aparelhos de ar condicionado, fornos de micro-ondas, filtros de água e máquinas para o preparo de bebidas geladas.
Até pouco tempo atrás, a fábrica da Whirlpool em Manaus ocupava 90% da sua capacidade de produção e, no mês passado, essa fatia tinha se reduzido para 65%.
Brega diz que a demanda de todos os produtos ligados à casa continua forte. E que, apesar desse descompasso entre a procura e a oferta, neste momento a prioridade da companhia é agir para que a crise sanitária seja superada o mais rápido possível. "Além do foco humanitário, sem a saúde voltar, não há negócio", argumenta.
Também nessa direção, o presidente da Associação Nacional de Fabricantes de Produtos Eletroeletrônicos (Eletros), José Jorge do Nascimento Jr, alerta que é preciso acelerar a vacinação no Estado do Amazonas. "Entendemos que o governo federal tem uma política de tratar todos os Estados de forma igualitária, mas o Amazonas está mostrando que tem uma particularidade grande e a ideia é que se priorize o Estado neste momento."
Wilson Périco, presidente do Centro das Indústrias do Estado do Amazonas (Cieam) lembra que a indústria tem procurado ajudar a população que necessita de atendimento hospitalar. Rapidamente, conta ele, as indústrias se mobilizaram e devolveram o oxigênio para os fornecedores, a fim de que o gás fosse destinado ao setor de saúde. O oxigênio é um insumo importante usado pelas fábricas nas soldas industriais.
Périco acrescenta que as fábricas foram adaptadas, seguem rígidos protocolos contra covid e são ambiente seguro. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>