A promessa de revogar e substituir o Obamacare – nome como ficou conhecida a Lei de Proteção e Cuidado Acessível ao Paciente – foi um dos motes da campanha de Donald Trump, ainda em 2015, quando ele nem era candidato. Em 21 de janeiro de 2017, a primeira ordem executiva assinada por ele iniciaria um processo para tentar derrubar um dos legados do governo de seu antecessor, Barack Obama.
O acesso à saúde já era tema prioritário para eleitores em janeiro, antes da pandemia. O assunto estava no topo das preocupações, ao lado da economia. Em um país sem sistema público de saúde, as histórias de famílias endividadas pela alta fatura de tratamentos hospitalares são corriqueiras. Muitos planos de saúde nos EUA não oferecem cobertura para todo tratamento.
O Obamacare buscou reduzir o problema, mas o tema continua a atormentar os americanos – e a pandemia acentuou essa preocupação. Os EUA registraram o maior número de infectados (mais de 9 milhões) e mortos (230 mil) pela covid-19 no mundo. Muitos dos recuperados precisaram de internação e alguns seguem com o tratamento de sequelas. O aumento do desemprego também passou a ameaçar os americanos que estavam cobertos por planos pagos pelos empregadores.
Se, em 2016, a ideia de derrubar o Obamacare era um motor da campanha de Trump, em 2020, a sugestão de ampliá-lo é crucial para uma eventual vitória de Joe Biden. Trump passou a ser cobrado pela ineficácia na resposta ao vírus e também pela ideia de derrubar o programa atual sem oferecer um plano substituto.
Dados do governo dos EUA mostram que 27,5 milhões de americanos não tinham nenhum tipo de cobertura de saúde em 2018, quase 2 milhões a mais que no ano anterior. O aumento anual foi o primeiro registrado desde a implementação do Obamacare e, segundo analistas, está relacionado às tentativas de limitar o acesso ao programa. Dos americanos que possuem seguro-saúde, 67,3% estão cobertos por planos privados, na maioria pagos por empregadores, enquanto que 34,4% usam planos geridos pelo governo.
Entre os planos públicos, o governo dos EUA conta com o Medicare, para adultos com mais de 65 anos ou pessoas com deficiência, e o Medicaid, programa estadual e federal para cobertura de pessoas de baixa renda.
A lei aprovada em 2010, no governo Obama, estendeu o cuidado com a saúde para cerca de 15% da população que não tinha cobertura. Para Gloria Garza, que mora em Fort Worth, no Texas, o assunto é determinante para o voto em Biden. "Se Trump acabar com o Obamacare, não terei nada", afirma.
Partida. Ainda no primeiro ano de governo Trump, uma versão elaborada pelos republicanos para substituir o Obamacare no Senado naufragou com o voto contrário de três republicanos, incluindo o do veterano John McCain. Quatro anos mais tarde, Trump continua a se apoiar na promessa de que tem um plano melhor e menos custoso para substituí-lo, mas se recusa a apresentar detalhes.
No segundo e último debate com Trump, Biden cravou o termo que pretende usar se eleito: o Bidencare. O ex-vice de Obama propõe ampliar o Obamacare, com opções de convênio público, sem descartar o sistema privado. Trump diz, em tom negativo, que o democrata busca "socializar o sistema".
Embora a promessa de revogar a reforma da saúde não tenha se efetivado, para analistas e institutos especializados, Trump conseguiu desmantelar partes importantes da lei. Os períodos de inscrição foram reduzidos, subsídios foram cortados e a multa para quem não adquirir o seguro-saúde, suspensa. Em dezembro, um juiz federal do Texas decidiu que remover essa pena – parte essencial do Obamacare – tornaria a lei inconstitucional, uma decisão que será revista pela Suprema Corte após as eleições.
Simon Haeder, especialista da Universidade Estadual da Pensilvânia, lembra que, em uma das primeiras ações do governo Trump, o Departamento de Saúde determinou a remoção dos anúncios do site do governo que convocavam as pessoas a se inscreverem no Obamacare.
Os anúncios eram importantes para atrair jovens entre 18 e 34 anos, conhecidos como "jovens invencíveis", por serem mais saudáveis e procurarem menos cuidados médicos, estabilizando os gastos dos planos de saúde com grupos de risco. "Em uma reviravolta irônica, o governo Trump passou a usar fundos de publicidade destinados à promoção do Obamacare para uma série de promoções de mídia social que atacavam a lei", explicou Haeder ao jornal O Estado de S. Paulo.
Depois, o governo decidiu encerrar os contratos de assistência à inscrição em 18 grandes cidades. Também cortou pela metade o período aberto de inscrições, em comparação aos anos anteriores. "Tudo isso tornou muito difícil para que pessoas com falta de tempo ou com dificuldades pudessem se inscrever", pondera Haeder.
A falta de estratégia do governo Trump para conter o coronavírus nos seus estágios iniciais é apontada como uma das razões para o tamanho da crise americana. A maior economia do mundo teve problemas para organizar um sistema de testagem da população.
Especialistas em biodefesa afirmam que houve um desmonte do preparo contra pandemias nos últimos três anos. Sem falar de Trump, Obama toca em dois pontos centrais no debate atual sobre a saúde: o acesso a tratamentos médicos por pessoas desempregadas e de baixa renda e o preparo contra pandemias.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>