Não faz muito tempo, as operações para obter recursos via emissão de dívidas no mercado de capitais atendiam majoritariamente às grandes empresas. Em meio à pandemia de covid-19, uma mudança no perfil ganha corpo: mais empresas pequenas e médias passaram a buscar recursos por meio de operações no mercado financeiro.
Levantamento feito pelo <b>Estadão/Broadcast</b>, com base em dados da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima) do primeiro trimestre de 2021, mostra ofertas de volumes cada vez menores. No segmento de títulos de dívida, a entidade registrou dez operações de menos de R$ 100 milhões até 31 de março: sete ofertas de debêntures (títulos da dívida) e três de notas promissórias.
Entre os exemplos em debêntures estão a Ascensus, empresa de logística de Joinville (SC) que captou R$ 25 milhões em março, além da startup Plugify, com uma arrecadou R$ 32,6 milhões para investir na ampliação dos parques de tecnologia da informação (TI), recebendo recursos de fundos de crédito como Angá e Augme.
Na emissão de Certificados de Recebíveis do Agronegócio (CRA) foram dez ofertas com captação abaixo de R$ 100 milhões. Entre os fundos imobiliários, são 31 ofertas até R$ 100 milhões, sendo três delas de R$ 1 milhão. No mercado de Certificados de Recebíveis Imobiliários (CRI) foram contabilizadas outras 28 ofertas com volumes abaixo de R$ 10 milhões, sendo a menor de apenas R$ 750 mil, da RB Capital Companhia de Securitização.
Segundo profissionais que acompanham esse mercado, quatro fatores centrais explicam essa mudança nos últimos dois anos: a queda dos juros, a restrição do crédito nos bancos para pequenas empresas por causa da pandemia, menores custos dos intermediários e distribuidores para realizar ofertas restritas e a demanda dos investidores por aplicações de crédito privado.
Na visão do líder de mercado de capitais da Guide Investimentos, Luis Gustavo Pereira, as ofertas em volumes menores ficaram possíveis por causa da redução de custos com a estruturação das ofertas. "Os grandes bancos são caros e parrudos, mais exigentes e possuem equipes maiores, mas atualmente os custos para estruturação de ofertas ficou bem menor", diz. "Empresas regionais de supermercados e da construção civil já conseguem acessar o mercado de capitais com ofertas pequenas em recebíveis."
Para Carlos Ferrari, sócio do escritório NFA Advogados, o tíquete médio de operações com CRIs e FIDCs (Fundos de Investimento em Direitos Creditórios) está caindo para a faixa de R$ 10 milhões. "Atualmente é possível montar ofertas com tíquetes de R$ 6 milhões, R$ 8 milhões. Os custos de distribuição caíram com a pandemia, pois antes tinha de fazer eventos com os investidores, café da manhã, almoço ou jantares para as apresentações. Hoje, o road show é virtual. Do lado das empresas, a documentação ficou toda eletrônica, tudo ficou mais rápido."
Ferrari também aponta para frente um aumento ainda maior do número de ofertas dedicadas ao agronegócio. "Toda a cadeia do agronegócio está conhecendo o mercado de capitais e compartilhando esse conhecimento além do eixo Rio-São Paulo. Vemos mais tomadores de recursos em cidades como Lucas do Rio Verde e Primavera do Leste (MT), Barreiras (BA), Gramado e Canela (RS)", exemplifica.
Daniel Pegorini, presidente da Valora Investimentos, diz que recentemente a gestora ajudou a estruturar uma oferta de CRI de apenas R$ 7 milhões. "Não faz muito tempo, poucos anos, as ofertas só iam para mercado com volume acima de R$ 200 milhões", lembra.
Alternativa aos bancos. Além do juro muito baixo no último ano, Pegorini diz que as pequenas e médias empresas atingiram seus limites de crédito nos bancos com o avanço da crise causada pela pandemia, o que levou empresas mais profissionalizadas para o mercado de capitais. "Os bancos fizeram sua parte com os programas de crédito do governo, mas depois de um determinado limite não podiam mais atender empresas carentes de capital de giro."
Para Paulo Fróes, diretor da SRM Asset, com a crise da pandemia "há uma demanda infinita por crédito" pelos pequenos negócios e parte dessa demanda passou a ser atendida pelo mercado de capitais, sem a intermediação dos grandes bancos. "Nessas ofertas menores, o coordenador precisa observar o negócio em profundidade, para precificar o risco", aponta.
Fróes também diz que o desafio para a continuidade do acesso ao mercado de capitais em operações com volumes menores passa pela profissionalização das empresas. "Em 70% a 80% das pequenas empresas a gestão é familiar. As empresas que estão chegando ao mercado de capitais adotam gestão mais profissionalizada dos seus negócios, entregando transparência de seus números para os investidores."
Nos FIDCs o recorte ficou ainda menor. A Anbima mostrou 29 operações abaixo de R$ 10 milhões no primeiro trimestre do ano, sendo que uma delas, a securitizadora Forte Brasil, captou R$ 40 mil. "Os principais compradores são os fundos de investimentos, que buscam melhores prêmios (ganhos) com o crédito privado", explica Fróes.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>