À frente do Supremo Tribunal Federal (STF) e do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), o ministro Luiz Fux tem emplacado uma agenda "progressista" de contraponto à pauta conservadora do Palácio do Planalto. Contrariando a linha do antecessor, Dias Toffoli, que mostrou proximidade com Jair Bolsonaro, Fux tem mantido uma relação distante do presidente, sem trocas de afagos públicos – uma convivência protocolar e institucional.
Em menos de três meses na chefia do Poder Judiciário, Fux já instituiu cotas para negros em estágios na Justiça, criou um observatório no CNJ para questões ligadas ao meio ambiente e costurou uma mudança no regimento do Supremo para evitar novas derrotas da Lava Jato em julgamentos.
Os contrastes entre Fux e Bolsonaro ficaram explícitos na semana passada. Responsável por definir os casos que serão analisados pelos colegas nas sessões plenárias, o presidente da Corte colocou na pauta do STF um caso que discute se a injúria racial é uma espécie de racismo, crime imprescritível, inafiançável e sujeito a pena de reclusão.
O julgamento foi agendado após a comoção provocada pela morte de João Alberto Freitas, homem negro assassinado em uma loja do Carrefour em Porto Alegre na véspera do Dia da Consciência Negra. Bolsonaro, por outro lado, negou o problema do racismo no País.
O tema também ganhou tratamento prioritário de Fux no CNJ, órgão responsável não apenas por investigar juízes, mas também por desenvolver políticas que melhorem o funcionamento da Justiça. Uma das primeiras medidas aprovadas pelo conselho, sob o comando de Fux, foi a reserva de ao menos 30% das vagas de estágio na Justiça para negros. Já o presidente disse reiteradas vezes ser contrário a ações afirmativas nesse sentido.
"Nossa gestão baseia-se em cinco eixos: a proteção dos direitos humanos e do meio ambiente, a garantia da segurança jurídica para a otimização da economia, o combate à corrupção, o acesso à justiça digital e o fortalecimento da vocação constitucional do STF", disse Fux ao <b>Estadão</b>. "Todos esses eixos estão alinhados com a Constituição Federal e suas aspirações de institucionalidade, espírito republicano e democracia."
Interlocutores de Fux e analistas ouvidos pela reportagem avaliam que a agenda do ministro do STF não é uma resposta direta a Bolsonaro nem uma tentativa de fazer oposição ao Planalto, mas expõe que "os princípios e as prioridades" de cada um são diferentes. "Não é de se esperar outra coisa de um presidente da Suprema Corte que não seja a defesa da Constituição. Vemos um Executivo que ataca constantemente a Constituição, e um Supremo que a defende", avalia o professor de Direito Constitucional da FGV, Roberto Dias.
<b>Novo ministro</b>
O chefe do Executivo deixou o presidente do STF de fora das articulações que levaram à escolha de Nunes Marques para uma cadeira na Corte, na vaga de Celso de Mello, que se aposentou. As pontes de Bolsonaro no tribunal são com os ministros Gilmar Mendes e Dias Toffoli, que chancelaram a indicação.
Durante os dois anos em que presidiu o tribunal, a postura de Toffoli foi vista internamente por colegas como a de uma espécie de "consultor jurídico" do governo, dando aval, por exemplo, à sanção da criação do "juiz de garantias", polêmica medida prevista no pacote anticrime – e rechaçada pelo então ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro. "(Na gestão Toffoli) Houve uma mistura de papéis absolutamente não saudável do ponto de vista democrático, republicano. O que mostra que há uma certa reversão dessa atuação quando a gente fala na presidência do ministro Fux", opina Dias.
<b>Mudança</b>
A escolha de Nunes Marques mudou o perfil da Segunda Turma do STF, que passou a ter maioria "garantista" (mais propensa a ficar do lado dos réus) em julgamentos. Para evitar novas derrotas da Lava Jato, Fux articulou a retirada de inquéritos e ações penais da operação na 2.ª Turma, levando esses casos para o plenário, onde é apreciado pelos 11 integrantes da Corte. "Todas as ações penais e todos os inquéritos passarão pela responsabilidade do plenário porque o STF tem o dever de restaurar a imagem do País", discursou Fux na abertura do 14.º Encontro Nacional do Poder Judiciário.
A agenda ambiental é outro ponto de contraposição entre Supremo e Planalto. Enquanto o governo federal tem postura de confronto com a comunidade internacional, ONGs e ambientalistas no que diz respeito ao combate ao desmatamento na Amazônia, Fux criou um Observatório do Meio Ambiente no âmbito do CNJ.
"A preservação ambiental propulsiona o Brasil no mercado internacional, é um elemento primordial na realização de investimentos no País, necessários para a retomada da economia, em especial no cenário pós-pandemia", disse Fux. Assim, é essencial que o debate sobre a sustentabilidade seja transversal na elaboração e implementação de nossas políticas públicas, sejam do Judiciário, sejam dos demais poderes nos três níveis da federação."
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>