A "motociata" do presidente Jair Bolsonaro em São Paulo, no sábado passado, serviu para que empresários por trás da manifestação construíssem um banco de dados com informações pessoais de milhares de pessoas. Elas foram levadas a preencher um cadastro prévio sob o argumento de que era necessário para promover a segurança do chefe do Poder Executivo. Com os dados, o grupo, que diz ter coletado registros de 500 mil pessoas, pretende construir uma rede digital bolsonarista e viabilizar novos atos em favor do presidente.
Para venderem como obrigatório o cadastramento dos interessados no evento, os empresários diziam que se tratava de orientação do Gabinete de Segurança Institucional (GSI) da Presidência. Agora, esses empresários, com pretensões políticas e comerciais, detêm uma ampla rede de contato com eleitores e consumidores.
O empresário bolsonarista Jackson Vilar da Silva deu a cara à organização, na condição de presidente da recém-criada Embaixada do Comércio de São Paulo. Pastor e dono de uma loja de móveis na Zona Sul de São Paulo, ele concorreu para deputado federal em 2018, pelo PROS.
Defensor de Bolsonaro, ele já usou suas redes para comparar o presidente a Jesus Cristo e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a Barrabás, personagem bíblico apontado como criminoso. Vilar tem promovido manifestações contra medidas restritivas determinadas pelo governo de São Paulo. Em uma delas, fez ameaças ao governador João Doria (PSDB) e passou a ser alvo de investigação.
O site que recolheu os dados pessoais foi registrado por um amigo dele, um advogado que contribuiu para a criação da entidade e não se expôs como organizador do evento, denominado "Acelera para Cristo". Roberto Jorge Alexandre é filiado ao Podemos, partido pelo qual disputou a eleição em 2010. Tem escritório que atua com defesas administrativas e recursos de multas de trânsito.
Eles exigiram nome completo, CPF, número de celular, data de nascimento, e-mail, nome da mãe, modelo da moto e placa. O empresário nega interesse em fazer uso comercial dos dados que colheu. "Não posso nem fazer isso", disse.
Apesar de negar uso comercial, ele confirmou que os dados deverão ser reutilizados no futuro. "Interessa para a Embaixada do Comércio se comunicar com pessoas, mandar e-mails para próximos eventos. Mas não era essa a intenção. É porque o GSI pede mesmo o cadastro de pessoas", disse.
Segundo Alexandre, o banco de dados está guardado em uma nuvem. No sábado, o site sofreu um ataque hacker de sobrecarga, que prejudicou o acesso por cerca de três horas, mas nenhum dado teria sido roubado. Em mãos erradas, as informações são suficientes para criminosos aplicarem golpes.
A organização de apoiadores via rede social foi pilar da ascensão de Bolsonaro à Presidência e na de seus aliados em cargos eletivos. Avesso à imprensa e ao contraditório, ele é usuário assíduo das redes sociais e usa narrativas que circulam em grupos de aplicativos como WhatsApp e Telegram. Vários de seus apoiadores são investigados por administrar contas inautênticas e promover notícias falsas e ataques contra adversários.
Roberto Alexandre disse que o pedido de cadastro foi feito após uma reunião com representantes do GSI, em São Paulo, que tratou da segurança do presidente. Ao menos 1,8 mil nomes teriam sido entregues ao governo para que fossem selecionadas as pessoas que integrariam o pelotão de Bolsonaro.
Por nota, o GSI informou que "não se manifesta sobre protocolos de segurança e outras ações" referentes a eventos com a presença do presidente, do vice e dos familiares deles.
Uma praça de pedágio da Rodovia dos Bandeirantes registrou 6,6 mil motos no evento. Já a Polícia Militar informou que 12 mil motociclistas participaram do ato. O meio milhão de dados coletados, de acordo com organizadores, seria explicado pelo viés da campanha que fizeram. Nas redes, prometeram o sorteio de uma moto aos inscritos. No entanto, o site que recebeu os cadastros apresenta apenas uma finalidade, a de ampliar a segurança do evento, sem aviso sobre uso futuro.
A utilização para outro fim, como querem os empresários, pode configurar infração à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). O advogado Francisco Gomes Jr., especialista em direito digital, pontua que a lei exige que a finalidade da coleta do dado seja seguida à risca. "Se a finalidade que está escrita é a questão da segurança, só poderia ser utilizada para isso", disse.
Procurado, Jackson Vilar não respondeu aos contatos da reportagem. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>