Acostumadas a serem lembradas pelo público somente a cada quatro anos, nas edições dos Jogos Pan-Americanos, as confederações de esportes não olímpicos querem mais espaço e recursos, se possível das loterias federais e do Comitê Olímpico do Brasil (COB). Juntando esforços desde o Pan de Lima-2019, no Peru, onde foram destaques, as entidades responsáveis por Boliche, Hóquei, Patinação, Squash, Esqui Aquático/wakeboard e Fisiculturismo vêm se aproximando da atual gestão do COB, atualmente mais aberto às demandas destas confederações.
Esta aproximação e a abertura do Comitê Olímpico podem ser decisivos para o futuro destas entidades e de suas respectivas modalidades. Coadjuvantes no sistema esportivo brasileiro, as confederações se mantêm sem receber recursos públicos com regularidade. Em tese, só recebem apoio financeiro para a disputa dos Pan-Americanos, a cada quatro anos.
"Só recebemos ajuda de custo para o Pan. Para todos os eventos classificatórios, temos que pagar do bolso, até os atletas bancam suas viagens. Somos o único País das Américas que não recebe recursos", disse Moacyr Neuenschwander, presidente da Confederação Brasileira de Hóquei e Patinação, ao <b>Estadão</b>. "Confederação que não é olímpica está fadada a começar cada ano sem recurso público, sem orçamento de entrada. É a nossa realidade".
Para o dirigente, as cobranças, principalmente na época do Pan, costumam ser altas e desproporcionais aos recursos que recebem. "Quando a gente vai para o Pan, o ouro da patinação é igual ao do vôlei. Ficamos nos mesmos hotéis, a pressão e a cobrança são as mesmas. Mas a ajuda não é a mesma. Até o cartão de débito que cada dirigente recebe, para bancar gastos recorrentes durante a competição, tem diferença. O valor das confederações olímpicas é quase três vezes o valor da confederação pan-americanas. É quase uma subclasse".
Este cenário, contudo, está mudando, de acordo com os dirigentes ouvidos pela reportagem. "Até a época do Nuzman, éramos simplesmente ignorados por sermos confederações não olímpicas", disse Neuenschwander. "Percebemos na gestão do Paulo Wanderley uma abertura maior para discutirmos a interação entre as confederações não olímpicas", reforçou Guy Iglori Machado, presidente da Confederação Brasileira de Boliche, que conta com apenas cinco funcionários, todos voluntários, para administrar a entidade de 1.500 atletas filiados.
O passo decisivo na aproximação entre estas entidades e a atual gestão do COB aconteceu nos últimos dias, quando as cinco confederações não olímpicas passaram a integrar o Programa Gestão, Ética e Transparência, o chamado GET. O programa consiste numa consultoria que o COB presta às confederações, que passam a ser acompanhadas mensalmente nos quesitos governança, estratégia, transparência, "processos suporte" e compliance, temas recorrentes nas discussões sobre a profissionalização da gestão esportiva brasileira.
"O programa auxilia as entidades a conseguir maturidade na sua gestão e também na sua transparência, dois pilares que achamos fundamentais no avanço da gestão esportiva. Até pouco tempo atrás as confederações não tinham conselhos de administração e conselho fiscal separados da chapa do presidente e do vice. Hoje temos programas de ouvidoria e a publicação de salários, funcionários e estatutos nos sites. Avançamos muito", avaliou Rogério Sampaio, diretor-geral do COB, em entrevista ao <b>Estadão</b>.
O dirigente ressalta que o GET tem caráter de consultoria e não de fiscalização. "Às vezes o gestor pega uma entidade de nível nacional, com 27 federações afiliadas, e uma quantidade de regras que precisa obedecer por força de lei. O gestor assume e não sabe para onde vai, onde coloca o investimento. O GET vem ajudando a confederação a nortear o seu desenvolvimento", explicou Sampaio.
Das 35 confederações olímpicas do País, 34 estão dentro do GET. Somente a CBF não faz parte, por decisão da própria entidade. O programa tem agora também as cinco confederações não olímpicas, que vão passar pelos mesmos processos de avaliação. De acordo com o COB, o GET avalia 1.000 evidências de gestão ao longo de um mês, através de 345 perguntas que cada entidade precisa responder regularmente.
Com base nestas perguntas, o GET atribui nota para a gestão de cada confederação. O COB não divulga as avaliações, mas a reportagem apurou que no primeiro ano de funcionamento do programa, em 2018, apenas uma entidade obteve a pontuação máxima. Em 2019, foram três. E, neste ano, já são sete: Desporto na Neve, Golfe, Hipismo, Atletismo, Canoagem, Pentatlo Moderno e Tênis de Mesa.
O COB aposta que, com gestões mais profissionais, as confederações, principalmente as não olímpicas, terão mais chances de conseguir patrocinadores. "Mais organizadas, as confederações vão obter melhores resultados esportivos, que chamam mais a atenção dos patrocinadores privados. As grandes empresas, quando entram numa parceria, cobram organização e boa gestão dos seus recursos", explicou Paula Neri, gestora do projeto GET.
O apoio foi abraçado pelas confederações não olímpicas. Mas estas entidades sonham com a entrada de recursos públicos também em anos nos quais não há edição dos Jogos Pan-Americanos. "Acreditamos que o GET é o primeiro passo para receber recursos no futuro. O Brasil é exceção nesta divisão entre confederações olímpicas e não olímpicas", afirmou Neuenschwander.
SONHO ANTIGO – Para o dirigente, o GET é a porta de entrada para um sonho antigo: os recursos das loterias federais. Atualmente estes valores são distribuídos pelo COB somente para as confederações olímpicas. Para 2021, as cifras oscilam de R$ 2.958.485,86 (para a confederação de escalada esportiva) a R$ 7.504.998,42 (judô), num total de R$ 150 milhões vindos das loterias federais.
"O GET vai nos ajudar quando recebermos recursos públicos. Estaremos preparados para prestar contas no futuro. Se esse programa tivesse sido implantado há 10 anos, não teria havido metade dos problemas que as confederações tiveram. O GET é fundamental, foi uma vitória. Vamos agarrar isso como oportunidade", disse Neuenschwander.
A busca, contudo, é controversa. Estes recursos das loterias federais são distribuídos com base na Lei 13.756 (de 2018), que alterou a famosa Lei Agnelo Piva e não veta o direcionamento para confederações não olímpicas. "Os recursos (…) serão aplicados, exclusiva e integralmente, em programas e projetos de fomento, desenvolvimento e manutenção do desporto, de formação de recursos humanos, de preparação técnica, manutenção e locomoção de atletas, de participação em eventos desportivos e no custeio de despesas administrativas, conforme regulamentação", informou um dos trechos do texto da lei.
Para o advogado Leonardo Andreotti, especializado em direito desportivo, a lei deixa claro que parte da distribuição dos recursos públicos é papel do COB. No entanto, o direcionamento exclusivo para confederações olímpicas poderia ser alterado no estatuto da própria entidade.
"O COB, no exercício de sua autonomia, pode prever internamente, como responsável pelo esporte olímpico, como e a quem vai descentralizar os recursos no contexto de suas entidades filiadas e, eventualmente, se entender que isso pode qualificar o sistema, abrir a possibilidade para outras modalidades. Diante de uma norma constitucional, a lei não pode determinar como cada entidade vai direcionar internamente os recursos. Existe autonomia", explicou. "Não haveria, a princípio, obstáculo legal, sendo o COB o único competente para tomar esta decisão, observados minimamente os limites e as delimitações atualmente impostos".
Questionado sobre o assunto, Rogério Sampaio evitou descartar essa possibilidade. "No momento, os recursos estão sendo priorizados para as modalidades que fazem parte do programa dos Jogos Olímpicos. Mas entendemos também que estas modalidades (não olímpicas) devem ter um atendimento que propicie ter um bom desempenho. Teríamos que fazer um estudo para ver se a lei permite isso", disse o diretor-geral do COB.