O governo federal decidiu excluir o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia, da atribuição de divulgar alertas sobre incêndios em todo o País. O órgão federal fazia esse trabalho há décadas, divulgando diariamente dados técnicos sobre o avanço do fogo, ferramenta crucial para orientar o combate às chamas e estimar o volume queimado em cada região. A partir de agora, o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), ligado ao Ministério da Agricultura, será o responsável por divulgar essas informações.
A mudança foi confirmada anteontem em reunião realizada pelo Ministério da Agricultura. No encontro, com participação da ministra Tereza Cristina, o diretor do Inmet, Miguel Ivan Lacerda de Oliveira, afirmou que, a partir de agora, o instituto meteorológico fará esse trabalho, por meio de seu novo Painel de Monitoramento ao Risco de Incêndio, ferramenta que vai monitorar e divulgar os locais com maior probabilidade de ocorrência de fogo no Brasil.
"Acho que a gente está contribuindo não só para juntar as informações sobre risco no sistema nacional de meteorologia. A gente já fechou hoje (segunda) pela manhã que não haverá mais emissões do Inpe sobre incêndio ou do Censipam (Centro Gestor e Operacional do Sistema de Proteção da Amazônia, ligado ao Ministério da Defesa)", declarou Oliveira. "Será do Sistema Nacional de Meteorologia. Todos os relatórios do governo federal serão passados por esse sistema, que está sendo organizado aqui", afirmou ele.
Depois o Inmet disse, em nota, que o sistema consiste na atuação conjunta de instituições federais de meteorologia, contando com o Inpe. Segundo o diretor do Inmet, a divulgação feita até hoje teria problemas de integração de dados. "É um problema que o Brasil enfrentava há décadas, na verdade há mais de 40 anos, a pulverização na divulgação de dados sobre incêndio e meteorologia", disse.
Em nota após o <b>estadão.com.br</b> mostrar a mudança, a pasta da Agricultura afirmou que "a iniciativa se deu devido aos incêndios florestais e queimadas, que ocorrem normalmente de julho a setembro no Brasil central, ocasionando grande impacto ao meio ambiente, ao agronegócio e à economia brasileira". Por isso, continua o texto, "o Inmet estrategicamente passa a monitorar o risco de incêndio para fornecer informações e possibilitar a adoção de medidas preventivas mais eficazes e econômicas."
Ainda segundo a Agricultura, o Inpe e o Censipam continuarão a produzir seus dados. A divulgação, porém, passa a ser centralizada no Inmet.
A nova ferramenta, segundo o ministério, tem um mapa de monitoramento que aponta para o índice de risco ou perigo de incêndios em determinada área, além de colocar a informação à disposição para todos os Estados O sistema também contribui, ainda conforme a pasta, para a redução das perdas na agricultura e para ações preventivas de combate a incêndios.
Segundo o Inmet, o Sistema Nacional de Meteorologia, criado no último dia 3 de maio, tem "a missão de eliminar todo e qualquer tipo de sobreposição de atividades, gerando assim uma cadeia de processos, produtos e dados interligados e complementares". Mas tudo isso já era feito pelos sistemas do Inpe. O Instituto de Meteorologia defende ainda que o novo modelo permitirá "patamares de desenvolvimento compatíveis com as necessidades sociais e econômicas do País".
Nos próximos dias, será enviado à Casa Civil minuta de regulamentação com o "planejamento para a temporada de incêndios 2021", com a informação de que os órgãos que compõem o sistema e irão publicar boletim semanal sobre o assunto. Hoje, os boletins do Inpe são diários.
Desde 2019, o governo federal pretendia alterar o sistema e a divulgação de informações. Essa missão ficou a cargo do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, que quis mudar o sistema aberto de dados a mando do presidente Jair Bolsonaro. O monitoramento do desmate feito pelo Inpe motivou uma crise no governo após o presidente e integrantes de sua equipe questionarem os dados de perda florestal na Amazônia medidos pelo órgão.
Os altos níveis de desmate e queimadas naquela região fazem com que o governo seja alvo de críticas no Brasil e no exterior nos últimos anos.
<b>Críticas</b>
O físico Ricardo Galvão, exonerado do cargo de diretor do Inpe por Bolsonaro em 2019 após defender os dados de desmate da Amazônia produzidos pela instituição, critica. "Sempre tive muita preocupação com cerceamento de dados. O trabalho feito pelo Inpe nessa área é reconhecido mundialmente." Na avaliação dele, essa é uma forma de controlar os dados que serão divulgados.
O Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), organização científica e não governamental, declara que o trabalho que o Serviço Nacional de Meteorologia anuncia, como boletins semanais e plataforma de predição de risco de fogo, já é executado pelo Inpe.
"A divulgação diária dos dados que hoje existe, disponibilizados para toda a sociedade no portal do programa de queimadas, precisa permanecer. A transparência, assim como a série história de monitoramento do Inpe, é diferencial brasileiro, o que nos coloca à frente de outras nações ao ter em mãos subsídios para o enfrentamento que alterações no uso do solo provocam", aponta o Ipam.
"Tecnicamente, a informação que o Inpe dá hoje é a melhor possível, uma vez que o próprio Inpe, na área de previsão do tempo, já usa dados do Inmet", diz Gilberto Câmara, ex-diretor do Inpe e pesquisador da área de observação da Terra.
As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>