Estadão

Dólar sobe com incerteza sobre próximos passos do Federal Reserve

O dólar à vista fechou em alta firme nesta quinta-feira, 15, acompanhando o fortalecimento global da moeda americana, em dia marcado por aversão ao risco no exterior. Analistas e operadores não cravaram um gatilho específico para o mau humor lá fora, mas citaram três fatores que podem ter azedado os mercados: preocupações com o avanço da variante Delta, suposta perda de fôlego da economia chinesa e, sobretudo, desconfiança em relação ao cenário de inflação transitória nos EUA traçado pelo presidente do Federal Reserve, Jerome Powell.

Por aqui, investidores monitoram o quadro do presidente Jair Bolsonaro, que segue internado em São Paulo para tratar uma obstrução institucional, e a votação do texto base da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 no Congresso. A preocupação com a questão fiscal voltou a ser comentada nas mesas de operações, em meio a dúvidas com os impactos da reforma tributária e uma possível guinada populista de Bolsonaro, que aproveitaria a folga fiscal momentânea para expandir gastos.

Com mínima de R$ 5,0565, registrada pela manhã, e máxima de R$ 5,1387, o dólar à vista fechou em alta de 0,60%, a R$ 5,1147. Na semana, a moeda americana ainda acumula queda de 2,38%.

Em nova aparição no Congresso americano, Powell disse que a inflação está bem acima do esperado, o que traz um desafio para o Fed, mas repetiu que considera o fenômeno transitório. O presidente do Fed de Chicago, Charles Evan, que tem direito a voto, ecoou o tom ameno de Powell. Embora tenha se surpreendido com a alta dos preços, Evans considera que a inflação deve perde fôlego e que o BC americano não deveria elevar os juros "de modo desnecessário". Na contramão, o presidente do Fed de St. Louis, James Bullard (sem direito a voto), afirmou que o cenário atual já permite o início da redução do ritmo de compra de bônus ( tapering ).

As divergências dentro do Fed são apontadas por analistas como um dos motivos para apostas de que o tapering virá mais cedo do que pregado por Powell, talvez já no terceiro trimestre deste ano, o que tende a fortalecer o dólar globalmente.

"A fala do Powell ontem trouxe um alívio pontual, mas a qualquer momento pode vir uma mudança de discurso por parte do Fed. Existe a percepção no mercado de que a inflação talvez não ceda e de que ele comece a retirar os estímulos ainda neste ano", afirma Eduardo Velho, sócio e economista-chefe JF Trust, ressaltando que a curva de juros americana embute perspectiva de alta da taxa de juros nos EUA já em 2022.

Para o economista da Ampla Assessoria de Câmbio, Alessandro Faganello, além da questão inflacionária nos Estados Unidos, pesaram hoje também as notícias de avanço da variante delta e a perspectiva de desaceleração da economia da China após o crescimento do PIB no segundo trimestre ficar aquém do esperado, embora as vendas no varejo e a produção industrial tenham acelerado em junho. "A variante delta pode atingir algumas economias, sobretudo na Ásia. Fica alguma dúvida sobre o crescimento global", diz Faganello, acrescentando que as questões domésticas também levam a uma posição mais defensiva neste momento.

Velho, da JF Trust, vê certa "rigidez" na taxa de câmbio neste momento. O mercado, avalia o economista, já teria "antecipado" boa parte do fluxo de recursos para IPOs, o que limitaria o espaço para apreciação do real. Além disso, voltaram à tona as preocupações com a questão fiscal, com a perspectiva de que o governo Bolsonaro "acelere os gastos na margem" já de olho nas eleições de 2022.

"Existe até espaço para o dólar cair um pouco mais se o Fed mantiver essa postura amena. Mas a sensação é de que o grande movimento de apreciação do real já ficou para trás", diz Velho, que vê um suporte para a taxa de câmbio em R$ 4,83. "A cautela faz com que o mercado de câmbio neste momento seja muito mais de giro do que posicionamento".

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