Ao menos 899 bebês com menos de 1 ano morreram ano passado no País vítimas de covid-19 – um dos maiores números do mundo nesta faixa etária. O dado consta do Painel de Excesso de Mortalidade no Brasil e foi divulgado pela organização de saúde Vital Strategies. Como bebês não são grupo de risco da doença, especialistas acreditam que a falta de protocolos de atendimento para grávidas e recém-nascidos e fragilidades do sistema de saúde explicam a elevada quantidade de óbitos.
"O número de mortes entre bebês é absurdo, um massacre", diz a epidemiologista Fátima Marinho, consultora da Vital Strategies e responsável pelo levantamento. "Não houve nenhum protocolo para atendimento de gestantes e recém-nascidos, não houve alerta para obstetras, pediatras, não se separou hospitais de referência para gestantes com covid-19, não houve nada para organizar e orientar os atendimentos", afirma. "Teve casos de parto em gestantes intubadas na UTI." Assim como ocorre com a maior parte das vítimas adultas, o comprometimento dos pulmões causado pelo vírus leva os bebês à morte.
O número de bebês mortos no Brasil em decorrência do novo coronavírus é baixo quando comparado ao total de óbitos em outras faixas etárias. Já está estabelecido pela ciência que crianças são menos vulneráveis à covid, e os mais velhos estão entre os mais suscetíveis. O dado, porém, se destaca quando comparado aos da mesma faixa etária em outros países, revelando mortes que seriam evitáveis.
O número brasileiro é quase dez vezes o registrado, por exemplo, para o grupo de zero a 18 anos nos Estados Unidos, país com mais mortes pela covid (com cerca de 544 mil vítimas, ante quase 318 mil no Brasil). Dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos EUA (CDC, na sigla em inglês), registram só 103 mortes pela doença naquela faixa etária (incluídos bebês) em 2020. O Brasil também apresenta excesso de internações de bebês (até 1 ano) pela covid. No ano passado, foram 11.996.
Estudo de julho da International Journal of Gynecology and Obstetrics já tinha mostrado que o total de grávidas mortas no Brasil por covid também era um dos mais altos do mundo. Das 160 mortes de gestantes em todo o mundo entre o início da pandemia e junho, 124 foram no Brasil. O 2.º lugar era dos EUA, com 16 óbitos.
<b>Estrutura precária</b>
Especialistas ouvidos pelo Estadão dizem que uma série de variáveis contribui para o quadro. A falta de pré-natal, a alta taxa de nascimentos de prematuros, a dificuldade de diagnóstico em crianças pequenas e vulnerabilidades socioeconômicas são algumas das causas apontadas. "O número (de bebês mortos) é chocante", afirmou a demógrafa Márcia Castro, coordenadora do Departamento de Saúde Global e População da Escola de Saúde Pública da Universidade de Harvard (EUA). "Seria interessante saber o que aconteceu com as mães dessas crianças, porque já sabíamos que o número de grávidas infectadas no Brasil era alto."
Para o infectologista pediátrico Flávio Cczernocha, que integra o grupo técnico de imunizações da Sociedade de Pediatria do Rio, não há indício de que haja predisposição genética que pudesse levar à morte dos bebês. A assistência precária à gestante, à parturiente e ao recém-nascido explicam os números, segundo ele. "O número não chega a ser tão surpreendente assim", diz Cczernocha.
"Nossa assistência pré-natal é muito inadequada. A sífilis congênita é o que chamamos de sentinela da má assistência pré-natal. Porque é fácil de diagnosticar na grávida e de tratar. Para se ter ideia, o Brasil é um dos campeões mundiais de bebês nascidos com sífilis e o problema vem aumentando assustadoramente nos últimos anos; é uma calamidade pública."
A falta de pré-natal adequado leva também a mais partos de prematuros – bebês ainda mais vulneráveis a infecções em geral. E os sintomas de covid em bebês são diferentes dos apresentados por adultos, o que leva a subdiagnóstico. "Quanto mais novo o bebê, menos específicos os sintomas de qualquer doença. Vale para a covid também", diz o especialista. "Manifestações respiratórias comuns nos adultos com a doença não são tão frequentes nos bebês. Lesões na pele e diarreia são os sintomas mais comuns."
<b>Gêmeos</b>
A vida da estudante de Enfermagem Carla Vitória Pereira, de 22 anos, mudou em maio de 2020. Nessa época fez ultrassonografia de rotina para investigar a causa de ausência de menstruação. A surpresa veio quando o médico lhe disse que eram gêmeos. Sem planejamento, a gestação foi um choque para quem ainda tentava entender a pandemia. Resignada, Carla Vitória começou a preparar o enxoval das crianças – Benjamim e João Marcelo. Aos 7 meses de gravidez, porém, ela foi diagnosticada com o coronavírus, e, por complicações da doença, os bebês nasceram prematuros.
Dois dias depois de nascido, Benjamim não resistiu e morreu em decorrência da covid-19. "Foi um turbilhão de sensações", relembra Carla Vitória, que se recuperou da doença dias depois do parto. Em casa, estava tudo organizado para receber os gêmeos. "Enxoval igual para os dois e um quarto planejado para eles", conta a jovem, que divide sua vida entre estudo, trabalho e cuidados com João Marcelo, de 11 meses.
Para atenuar a saudade, Carla Vitória guarda sobre a cômoda do quarto do filho uma foto do bebê Benjamin tirada na UTI neonatal, em Maceió. Lá, ele lutou pela vida durante 48 horas.
<b>Acre</b>
Any Gabrielly Lima, de apenas 1 ano e 5 meses, morreu em Feijó (AC). De início, ela foi diagnosticada com anemia, mas um exame – cinco dias após o primeiro atendimento – mostrou que a criança tinha covid-19. "O médico colocou-a no oxigênio, porque ela estava muito fraca, cansada", conta a mãe, Maria da Conceição Pereira, de 25 anos. "Estamos muito abalados ainda", afirma a jovem. "A gente não achava que fosse covid porque ela não saía de casa comigo." Desde o início da pandemia, o Acre teve cinco mortes de bebês com menos de 1 ano por coronavírus. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>