O número de diagnósticos de crianças e adolescentes com miopia aumentou durante a crise sanitária, revela estudo inédito do Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) obtido pelo <i>Estadão</i>. No levantamento, 72% dos profissionais entrevistados relatam maior detecção do problema na faixa etária de zero a 19 anos. Para a maioria dos especialistas ouvidos, a principal razão do problema é a maior exposição dos jovens a telas de aparelhos eletrônicos no ensino remoto e em lazer no confinamento.
Isoladas em casa, as crianças têm aula pelo computador e, nas horas livres, assistem TV e jogam no tablet ou no celular. Assim, prejudicam a visão. O estudo do CBO reúne a percepção de oftalmologistas que trabalham com o público mais jovem – foram ouvidos, entre abril e junho, 295 profissionais em todo o País. Os médicos também relatam agravamento acelerado dos casos que já tinham esse problema de visão.
Para 76% dos entrevistados, a principal causa do problema é a superexposição dos menores a televisão, smartphones, tablets e computadores. Praticamente todos os especialistas (99%) defendem a redução do chamado tempo de tela e o aumento das atividades ao ar livre.
No exterior, relatos dos consultórios também são confirmados por estudos científicos. Pesquisa publicada em março no Journal of the American Medical Association (Jama) já havia mostrado aumento de até quatro vezes, em comparação com anos anteriores, no número de diagnósticos durante o confinamento. A pesquisa dos chineses abrangeu mais de 120 mil crianças de 6 a 8 anos. Embora os asiáticos tenham u tendência genética maior à miopia, a alta de casos é mundial.
A miopia é provocada quando o diâmetro do globo ocular é aumentado, ainda que ligeiramente. Por causa desse aumento, há um erro na refração da luz, e a imagem acaba se formando antes da retina.
O sintoma mais frequente é a visão embaçada, que impede de enxergar claramente o que está mais distante. A principal causa da miopia é a herança genética, mas a exposição excessiva às telas e a redução do tempo passado ao ar livre interfere em sua manifestação.
"A miopia ocorre devido ao aumento, mesmo que milimétrico, do diâmetro anteroposterior do olho. Isso ocorre mais em crianças, adolescentes e adultos jovens. O principal fator é genético, mas alguns hábitos podem influenciar e aumentar a sua manifestação", explicou o presidente da CBO, José Beniz Neto. "A concentração em telas promove a liberação de agentes químicos no interior do olho, que pode levar a esse aumento do globo ocular e consequente acréscimo na miopia", acrescenta.
Esse aumento no diâmetro do olho não provoca só a miopia. É um indicador importante da fragilidade da córnea que pode apresentar problemas mais graves, como descolamento de retina, catarata e glaucoma.
"Já está comprovado em vários trabalhos científicos que a redução desse tempo de tela previne o problema", explica o presidente da Sociedade Brasileira de Oftalmologia Pediátrica, Fábio Ejzenbaum.
"Mas não apenas isso: o aumento do tempo ao ar livre também é importante. Os estudos mostram que, passar pelo menos duas horas em ambientes externos pode reduzir em até 40% a progressão da doença. Isso acontece porque o sol induz a liberação de neurotransmissores que provocam uma redução do aumento do olho", diz ele.
<b>Hábitos</b>
Na avaliação de 43% dos entrevistados pelo CBO, os jovens precisam ficar ao menos duas horas por dia longe totalmente dos aparelhos eletrônicos. Para outros 31% uma hora seria suficiente.
A Sociedade Brasileira de Pediatria orienta evitar a exposição de crianças menores de dois anos às telas, mesmo que passivamente. Na faixa entre dois e cinco anos, a recomendação é de no máximo uma hora diária de tela e, entre seis e dez anos, duas horas diárias. A entidade alerta para não usar telas na hora das refeições nem nas duas horas anteriores ao sono.
Os especialistas concordam que as crianças e adolescentes precisam ficar um tempo do dia offline para prevenção da miopia. E precisam manter atividades ao ar livre.
Trata-se de uma opção ainda mais complicada durante a pandemia. Com a disseminação da covid-19, a maior parte das escolas passou a oferecer aulas online. Houve ainda a recomendação para que as pessoas ficassem o mais isoladas quanto fosse possível. O objetivo era (e ainda é) reduzir ou evitar o espalhamento do vírus.
A relações públicas Érica Kinuta, de 42 anos, afirma que já esperava que o filho Felipe, de seis, tivesse miopia, por questões hereditárias. "Mas a questão da pandemia foi um acelerador por conta do uso dos eletrônicos", conta. A criança manifestou o problema pela primeira vez ainda em 2020, quando começou a usar óculos.
"Além das aulas no computador, ele brinca com o tablet, com o celular. O que a gente faz é tentar limitar o uso, mas durante a pandemia isso é ainda mais complicado", diz Érica, cuja família ficou confinada para prevenir a transmissão.
Do ano passado até agora, Felipe teve agravamento do problema visual. "Se nada disso estivesse acontecendo, as crianças estariam fora de casa, na escola, brincando, fazendo outras atividades externas. Mas dentro de casa a gente fica ainda mais limitado, e o uso dos eletrônicos acaba sendo uma consequência", acrescenta Érica.
De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), 2,6 bilhões de pessoas em todo o mundo são míopes – 59 milhões delas vivem no Brasil. A projeção é que até 2050 metade da população mundial seja afetada pelo problema em função do aumento da exposição às telas. Mas este porcentual pode ser até maior, se incorporarmos alguns hábitos desenvolvidos na pandemia. As informações são do jornal <b>O Estado de S. Paulo.</b>